CRÔNICAS DA
PANDEMIA
Coletânea organizada por Anita Zippin
e Alberto Vellozo Machado
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Livro: CRÔNICAS DA PANDEMIA
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Livro: CRÔNICAS DA PANDEMIA
Editora: Editora Bonijuris Ltda.
Organizadores: Anita Zippin e
Alberto Vellozo Machado
Edição: Luiz Fernando de Queiroz e Olga
Maria Krieger
Produção gráfica: Jéssica Regina
Petersen
Capa: João Carlos Bonat
Projeto gráfico e diagramação: Júlio César Baptista
Ano da edição: 2022
Apresentação: Anita Zippin,
Joatan M. de Carvalho.
Prefácio: Alberto Vellozo
Machado
Autores de crônicas em prosa (por
ordem de publicação):
Maria
do Rocio Vaz
Francisco
Souto Neto
Elieder
da Silva
Ludmila
Kloczak
Elisa
Monticelli
Emanuel
Mascarenhas Padilha
Arriete
Rangel de Abreu
Anita
Zippin
Paulo
Rogério Mudrovitsch de Bittencourt
Vera
Rauta
Valéria
Borges da Silveira
Engelbert
Schlögel
Ney
Fernando Perracini de Azevedo
Vânia
Maria Souza Ennes
Júlio
Ernesto Bahr
Maria
do Rosário Knechtel
Cássia
Cassitas
Kátia
Santana
Vítor
Beal
Joana
Rolim
Edilson
Elias
Alberto
Vellozo Machado
Maria
Júlia Carreira Pacheco
Hamilton
Bonat
Lucrécia
Welter
Simone
Kronland
Ross
Mary Capriotti Strano Vieira
Autores em poesia (por ordem de
publicação):
Ângela
Maria dos Santos
Odilon
Reinhardt
Arioswaldo
Trancoso Cruz
Lília
Souza
Jadson
Porto
Dione
Mara Souto da Rosa
Alberto
Vellozo Machado
Marlene
Marques
Vera
Rauta
Ângela
Maria dos Santos
Cíntia
Maria Honório
Mário
Frota
Valéria
Borges da Silveira
Thiago
de Azevedo Pinheiro Hoshino
Helena
Slongo
Helga
Viezzer
Mamed
Zauíth
Andréa
Motta
Edson
Ribas Malachini
Sérgio
Ferraz
Madalena
Ferrante Pizzato
Rô
Caron
O livro CRÔNICAS DA PANDEMIA
Anita Zippin, que preside
a Academia de Letras José de Alencar – ALJA em Curitiba, e Alberto Vellozo
Machado, membro do mesmo sodalício, idealizaram a publicação de uma coletânea
lítero-poética versando sobre a pandemia da Covid-19, que reunisse autores também
de outras instituições ligadas às letras, tais como o Centro de Letras do Paraná, a
Academia Feminina de Letras do Paraná, a Academia Paranaense da Poesia, o Observatório da Cultura Paranaense e a União
Brasileira de Trovadores Seção Curitiba.
Luiz Fernando de Queiroz, da Editora Bonijuris Ltda., que há
anos tem dado grande apoio à ALJA, prontificou-se a editar a obra. Assim, os
convites foram feitos a inúmeros intelectuais, para que participassem da
concepção do livro. A mencionada advogada Anita Zippin sugeriu aos autores que não se referissem especificamente ao horror da doença que envolveu todo o
planeta – e que ainda nos fustiga –, mas que em textos curtos procurassem aspectos de menos
austereza.
Estávamos no terceiro ou quarto mês da pandemia, em 2020,
quando escrevi minha crônica. Denominei-a “A vida escancarada de meus
simpáticos vizinhos”. Impresso e lançado o livro no corrente mês de julho de 2022, vejo meu trabalho
estampado em segundo lugar, à página18.
A apresentação da obra vem assinada por Anita Zippin e
Joatan M. de Carvalho, respectivamente presidenta e 1º vice-presidente da ALJA.
A capa do livro é da autoria de João Carlos Bonat, meu
confrade da Academia. Muito bem inspirada e não menos do que genial, a capa de
Bonat mostra um homem moderno que usa a antiga máscara denominada doctore,
que os médicos venezianos adotaram na Idade Média quando a peste chegou ao
Vêneto, e que consiste na cara de um pássaro com longo bico. Dentro daquele enorme bico os médicos carregavam flores, cujo perfume não apenas tentava disfarçar um
pouco o cheiro dos corpos em putrefação, como também imaginavam eles que o
perfume afugentasse a peste. Pobres doutores daqueles tempos medievais, que não
sabiam que a Peste Negra era transmitida por pulgas.
O livro “Crônicas da
Pandemia” foi lançado no dia 5 do corrente mês de julho de 2022, no salão nobre
do 2º andar do Tribunal de Justiça do Paraná. Eu não compareci às solenidades do lançamento porque continuo em isolamento, sem entrar em ambientes fechados e com muitas pessoas presentes.
“A vida escancarada de meus simpáticos vizinhos”
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A VIDA ESCANCARADA DE MEUS SIMPÁTICOS
VIZINHOS
por Francisco Souto Neto
QUEM SE ENCONTRA, COMO EU, em quarentena por causa da brutal e devastadora pandemia que assola o planeta, quando se sente enfadado de tanto ler, de espanar o pó da casa, de assistir a muitos programas e noticiários da televisão, de ouvir música, de ficar no teclado do computador, de se atrever nas teclas do piano e de assistir a centenas de filmes, o que resta é olhar o mundo exterior pela janela. Observar, muito abaixo, os carros, e na rua gente mascarada ou não, as atividades de pessoas dentro dos seus escritórios e apartamentos nos prédios ao redor, o movimento das nuvens, o voo dos pássaros e as alvoradas e crepúsculos.
Hoje quero referir-me a um casal que vive num prédio que fica aos fundos do meu, que avisto não apenas das duas janelas do meu quarto, mas também da minha área de serviço e do quarto de empregada. O apartamento duplex de cobertura situa-se à altura do meu andar; só a caixa d’água e a casa de máquinas do elevador ficam acima do meu ponto de vista.
Não sou indiscreto, porque esse casal – que apelidei Zaribu e Zaribua – mostra-se com naturalidade. Ambos, mas não sempre, me parecem meio tristes, sorumbáticos. Já há alguns meses, antes mesmo da pandemia, notei primeiro o macho. Quero dizer, não tenho muita certeza, mas creio que era o macho, e ele me pareceu um urubu muito solitário.
Mas na sequência, foi o meu amigo Rubens quem percebeu que ele não era solitário, pois passou a fazer-se acompanhar de quem seria a fêmea, ou vice-versa, pois ninguém sabe distinguir o sexo dos urubus. Ou, provavelmente, um expert saiba distinguir os gêneros, porém isto não é o que importa. O que vale ressaltar é que eu – quem diria?! – passei a observar os urubus, meus simpáticos vizinhos.
Os dois estão sempre juntos. Pela manhã ficam nos vértices do prédio, até nos locais mais altos, porém maior parte do tempo estão no parapeito do terraço da cobertura.
Abrem as asas para receber o sol da manhã, e fazem minuciosa limpeza das suas penas. O curioso é que de vez em quando a fêmea – ou que me parece ser ela – salta do parapeito para dentro do terraço. O macho passa um largo tempo olhando para baixo, para dentro daquele espaço aberto que eu não alcanço com meus olhos. Desconfio que ali exista um ninho.
Nos dias frios deste inverno, vejo-os desde o amanhecer pelas bordas altas do prédio. Quando chove, ficam lado a lado macambúzios, tristes, mas é só parar a chuva ou o chuvisco, que ambos abrem as asas, um de cada vez ou simultaneamente, talvez à espera de um raiozinho de sol, e ali continuam a enfrentar a friagem. Algo estranho que os urubus fazem: para fazer face ao vento frio, em vez de fechar as asas para aquecerem-se, eles também as abrem. De fato nós, humanos e leigos, nada entendemos da lógica dos urubus.
Ao contrário do meu preconceito desde a infância, os urubus são bichos tímidos e retraídos, mas doces, simpáticos, quase bonitos, apesar de viverem a comer carniças, isto é, animais mortos. Mas que animais mortos poderão alimentar os tantos urubus que às vezes vejo voando em círculos nos céus de Curitiba? Talvez as ratazanas que morrem dentro dos terrenos baldios e abandonados.
Ao final de cada manhã Zaribu e Zaribua desaparecem. Creio que voam para longe da cidade, talvez para as matas além da área metropolitana, em busca de animais putrefatos.
Os urubus, longe de desprezíveis, são aves muito importantes para a ecologia porque se alimentam somente de carne em decomposição, e assim limpam o ambiente. Não comem nem milho, que faz as delícias de suas primas galinhas. É estranho que, comendo carne podre, os urubus não adoençam. Certamente existe em seu sistema imunológico algo que os impede de adoecer.
Procurei por informações na internet e descobri que as fêmeas dos urubus botam apenas dois ovos por período fértil, que eclodem após 32 a 39 dias. Os filhotes nascem claros, e escurecem com o tempo. Eles vivem de 8 a 12 anos, e estão prontos para se reproduzir aos 3 de idade. É uma pena que minha vista não alcance o interior do terraço, e aí consiste o mistério. O que os dois fazem quando ali estão? E quando vejo que apenas um deles desaparece um metro abaixo, dentro daquela área aberta, imagino que seja a Zaribua chocando os ovos.
Entretanto existe vida humana no apartamento de cobertura. Nunca vi esses vizinhos discretos, mas sei que ali existe alguém porque as janelas que dão para o terraço algumas vezes estão abertas, outras fechadas, ou parcialmente abertas, o mesmo se dando com as cortinas persianas. Serão humanos ecologistas que respeitam a invasão dos urubus? Parece-me claro que eles sabem que os urubus estão por ali, pois devem restar penas no chão e muito cocô também nos largos parapeitos. O casal de urubus gosta de variar um pouco de “puleiro”, permanecendo algum tempo lá no alto da casa de máquinas, nas saliências da arquitetura de variados pontos, mas sua preferência recai sempre pelo parapeito do terraço.
Há pouco notei que Zaribu e Zaribua andavam de um lado ao outro no peitoril do terraço. Olhavam para baixo, para longe, para os lados, e como de costume observaram-me fixamente. Devem achar que sou um bicho qualquer porém amistoso. Então com ânimo lançaram-se ao mesmo tempo ao espaço, passando a uns dois metros da minha janela e desapareceram em direção ao sol.
De resto, fico na rotina do meu dia a dia isolado, atento às notícias do país, que está nas mãos de um presidente esquizofrênico e irresponsável, que desde o início da pandemia manifestou-se e agiu insanamente contra o isolamento social e o uso de máscaras. Aguardo ansioso pelas eleições de 2022, que espero alcançar para ver mudar o país para melhor. É claro que, entretanto, minha maior expectativa é pela vacinação contra a covid 19 em todo o planeta.
Outra anseio é ver os dois urubuzinhos filhotes andando sobre o parapeito do terraço do prédio vizinho, olhando para baixo, buscando coragem para enfrentar o primeiro voo. Felizes os urubus que são independentese altivos, imunes à pandemia, se satisfazem com um simples pedaço de carne pútrida e nada sabem de política.
Vida longa a Zaribu, Zaribua e a sua feliz e inocente próxima prole.
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