quinta-feira, 30 de outubro de 2014

"DURA VIDA DE INSPETOR", texto premiado de Francisco Souto Neto, 2º classificado no Concurso MEMÓRIA PREMIADA promovido pela AFAB (Associação dos Funcionários Aposentados do Banestado), e ainda: "O QUE FOI O PROGRAMA DE CULTURA DO BANESTADO" e "A HISTÓRIA DAS TELAS PERDIDAS DOS PRESIDENTES DO BANESTADO".

O Jornal da AFAB de agosto de 2013 lançou um concurso de contos, “causos” e casos ocorridos no ambiente do Banestado, com o título de MEMÓRIA PREMIADA. Seriam concedidos aos três melhores trabalhos os seguintes prêmios: R$1.500,00 ao 1º colocado, R$1.000,00 ao 2º colocado e R$500,00 ao 3º colocado.



Acima, capa do Jornal da AFAB de agosto de 2013



Acima, na página 9, o regulamento do concurso.



Acima, capa do Jornal da AFAB de dezembro de 2013



Acima, na página 5, a notícia das premiações do concurso MEMÓRIA PREMIADA:
1ª prêmio a Amaury Ormianin por “VITO PRETO”;
2º prêmio a Francisco Souto Neto por “DURA VIDA DE INSPETOR”;
3º prêmio a Marivoni Zibetti por “LÁGRIMAS DE OURO”.



Acima, na metade inferior da referida página 5, está transcrito o texto 1º classificado. Os 2º e 3º classificados ficaram de ser publicados nas duas edições seguintes do Jornal da AFAB.



Acima, detalhe dos nomes dos três classificados. A caneta aponta o nome do 2º classificado, cujas três participações (sob três diferentes pseudônimos, conforme permitia o regulamento) vão adiante transcritas para conhecimento dos colegas banestadenses e também porque revelam histórias ocorridas no Banestado.

Natalino Sbrana, Fernando Prezutti, Paulino França do Nascimento Neto, Francisco Souto Neto, Newton Barbosa Almada da Silva e Carlos Zatti.

Acima, a entrega do prêmio a Francisco Souto Neto nas dependências da diretoria da AFAB, estando presentes colegas da diretoria e da comissão julgadora. A partir da esquerda: Natalino Sbrana (Diretor Financeiro), Fernando Prezutti (Presidente), Paulino França do Nascimento Neto (Diretor de Eventos), Francisco Souto Neto (com a outorga do 2º prêmio e o cheque no valor correspondente), Newton Barbosa Almada da Silva (Diretor de Promoção Social) e Carlos Zatti (membro da comissão julgadora).

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Adiante, as três participações de Francisco Souto Neto no concurso, e aquela que foi premiada (DURA VIDA DE INSPETOR, pelo episódio “Andirá”):

1ª participação:
(Classificada em 2º lugar no concurso, pelo subtítulo “Andirá”)

DURA VIDA DE INSPETOR

Autor: Francisco Souto Neto
Concorreu com o pseudônimo de Paco Ramirez

No começo da década de 70, quando prestei concurso interno para inspetor e tive a felicidade de ser um dos primeiros classificados, eu era funcionário na agência do Banco do Estado do Paraná S. A., o Banestado, em Ponta Grossa, distante cem quilômetros de Curitiba. Chamado a assumir o cargo, viajei à capital para conhecer o chefe dos inspetores, Wilson Ganem, e participei do Curso de Formação de Inspetores na “Casa da Júlia”, apelido carinhoso dado pelos colegas à mansão localizada na Rua Júlia Wanderley, onde eram ministradas as aulas.
Realizei as três primeiras inspeções na companhia de um colega mais velho, que me ensinou a prática e a rotina de trabalho adequadas às nossas funções. Depois disso, passei a viajar quase sempre sozinho. Com um destino secreto determinado na sexta-feira anterior – secreto porque tínhamos que chegar à agência de surpresa – pode-se dizer que meu trabalho se iniciava no domingo. Após almoçar com minha família, eu arrumava a mala e a padronizada pasta de executivo e viajava a Curitiba. Por volta da meia-noite tomava um ônibus-leito para determinada cidade do interior do Estado, e lá, quando necessário, adquiria outra passagem para alguma minúscula localidade onde se encontrava a minha agência de destino.
Apenas as principais estradas do Paraná eram asfaltadas: de Curitiba a Foz do Iguaçu, a Londrina, a Maringá e a Paranaguá. Salvo outras raras e honrosas exceções, todas as demais rodovias eram de terra. Em tempos de seca, amargávamos a poeira, as curvas e os solavancos; em tempos de chuva eram as derrapagens e, não raro, o ônibus encalhado na lama.

Catanduvas

Ao iniciar quatro narrativas, gostaria de mencionar, na primeira delas, um exemplo de pequena cidade paranaense do início da década de 70, que era servida pelo Banestado. Tratava-se de Catanduvas. De topografia acidentada, a localidade ainda não conhecia vias públicas pavimentadas. Ruas e passeio de pedestres eram de terra contínua e batida. O único hotel da cidade resumia-se a um casarão de madeira, cujo corredor central abrigava quartos em ambos os lados. Ao fundo, localizavam-se as privadas e os banheiros coletivos.
A chegada de um inspetor era sempre uma surpresa desagradável para o gerente. Trabalhei exaustivamente no primeiro dia de inspeção. À tardinha tomei um banho no hotel e jantei num restaurante próximo, onde uma senhora afável preparava alguma refeição decente. Retornando ao hotel, cansado, deitei-me e apaguei a luz. De repente, um susto: na escuridão do quarto, vi brilharem milhares de estrelas por todos os lados. Estrelas grandes, menores, com as luminescências menos ou mais intensas. Seria um sonho? Como explicar o universo iluminado ao redor de todo o quarto? Fascinado com o estranho mistério, aproximei-me das luzinhas e descobri que elas estavam realmente nas paredes, de alto a baixo. Eram... pequenos orifícios. Olhei através de um deles e vi o quarto vizinho, onde era possível observar tudo o que o hóspede fazia. Num lapso de segundo, um insight me fez compreender que as paredes estavam sendo destruídas por cupins e que estes, em seu indiscreto e voraz apetite, faziam desaparecer a privacidade dos quartos e, certamente, punham em risco a integridade dos hóspedes que poderiam ser esmagados pelo colapso das madeiras podres. Se a noite foi desagradável, a descrição das manhãs no hotel não poderia ser feita por outro adjetivo mais adequado. É que na primeira manhã, ainda escuro, começou um ruído que parecia um crescente tropel de poderosa boiada. As estrelas e galáxias das paredes voltaram a iluminar-se, e o universo brilhante mais uma vez se instalou ao redor da minha cama. Levantei-me sem acender a luz e abri a porta para ver a causa do crescente ruído. O tropel era das pessoas que iam e vinham na disputa pelos banheiros e perambulavam procurando a sala do café da manhã.
Naquela cidade eu começava a trabalhar antes da chegada do gerente e dos funcionários, e era o último a sair da agência, lá pelas dez horas da noite, de modo a concluir o trabalho o mais rápido possível e poder retornar à civilização. Aprendi também que, algumas vezes, era preciso ficar hospedado em outra cidade próxima à agência de destino, e todas as manhãs e tardes fazer o percurso de ida e volta, assim garantindo um pouco mais de conforto para a hora do repouso noturno.

Joaquim Távora

Minha segunda narrativa envolve uma inspeção que fiz em Carlópolis. Para chegar a essa localidade, as rotas dos ônibus intermunicipais eram bastante complexas. Primeiro viajava-se de Curitiba a Londrina em ônibus-leito, e depois em ônibus convencional até Joaquim Távora. Nesta cidade era preciso esperar cerca de duas horas e meia, quando partiria outro ônibus rumo a Carlópolis. Naquela ocasião não levei minha câmera fotográfica e me lamentei disso, porque Joaquim Távora parecia um lugar parado no tempo, pacato e interessante, que bem mereceria algumas fotografias. Enquanto não chegava a hora do meu embarque, comecei a passear pela cidade. Famílias sentavam-se em cadeiras colocadas nas calçadas, encostadas às suas residências, e ficavam olhando o movimento da rua – melhor seria dizer “apreciando a calmaria da rua”. Quando eu passava por essas pessoas e as olhava, elas baixavam os olhos imediatamente, num estranho ato reflexo que talvez fosse de timidez. Observei os detalhes da arquitetura da cidade, um tanto pobres mas não destituídos de beleza. Parei várias vezes para olhar bucólicos quintais com galinhas. Entrei na catedral para apreciar seu interior. Na praça central um homem estava sentado num dos bancos, eu o cumprimentei e lhe fiz algumas perguntas sobre a cidade como, por exemplo, onde se localizava a agência do Banestado. Apenas por curiosidade fui até ao local indicado e observei que aquela agência de Joaquim Távora era uma antiga construção térrea com as janelas do tipo “vitrô” voltadas à calçada. Por um dos “vitrôs” olhei para dentro da agência, vi os funcionários trabalhando e o ótimo movimento de clientes. Voltei à praça principal, agora totalmente vazia, e sentei-me num dos bancos aguardando a hora de ir para a estação rodoviária e embarcar para Carlópolis. Sonolento, fiquei a ouvir o chilreio dos pássaros que suavemente interrompia o silêncio da cidade.
De repente meu mundo de calmaria foi violentamente abalado: um veículo da polícia parou ruidosamente num lado da praça, de lá saltaram vários soldados acompanhados de um cidadão (depois eu soube que se tratava de um advogado) que correram ameaçadoramente em minha direção. Assustei-me, sem entender o que se passava. Mandaram-me acompanhá-los. Espantado, perguntei o motivo e disse-lhes que deviam estar me confundindo com outra pessoa. Responderam que isso seria esclarecido na delegacia. Apresentei-me aos nervosos homens da lei como advogado que sou, e inspetor do Banestado, sem sucesso. Meu bom senso me recomendou acompanhá-los. Compreendi que eu estava detido por algum motivo equivocado. Lembrei-me na hora do livro “O Processo”, de Franz Kafka, que conta a história de um homem que é preso sem saber o motivo, é julgado e condenado à morte... e morre sem saber qual a acusação que pesava contra ele.  Uma vez na delegacia, abriram minha valise e examinaram tudo, peça por peça. Logo chegou o gerente da agência local do Banestado, cujo nome infelizmente não me recordo, mas que foi muito atencioso, acreditando que eu realmente não era quem os demais pensavam que fosse. Mais tarde eu soube que o advogado que acompanhava os policiais foi quem fez a denúncia à polícia, alegando que “um homem andava pela cidade em atitude suspeita, que conversou na praça com um mau elemento e que esteve sondando casas e a agência do Banestado”.
Sem um pedido de desculpas, liberaram-me a tempo de embarcar para Carlópolis, mas posso adiantar que foi uma experiência muito traumática. Dias depois, quando já estava em casa, comprei dois exemplares do referido livro de Kafka; enviei um ao delegado de polícia, e outro ao advogadozinho, pedindo-lhes que lessem e depois doassem o exemplar à biblioteca pública. Em algum local, dentre milhares de documentações, tenho ainda anotados os nomes de ambos. Como consequência do desagradável episódio, durante alguns anos tive a sensação de ter passado por uma estranha cidade onde viviam dois – ou mais – cidadãos primitivos, desconfiados e carentes de civilidade.

Toledo

Cheguei à cidade de Toledo, próxima a Cascavel, numa manhã de segunda-feira. No sábado seguinte eu seria padrinho de casamento de João Vargas d’Oliveira Júnior, um amigo de infância em Ponta Grossa. À medida em que os meus trabalhos avançavam, comecei a descobrir irregularidades na documentação da agência. Sentado à mesa que ocupei para trabalhar, eu fazia as anotações num papel, que depois comporiam o relatório de inspeção, quando senti uma respiração no meu pescoço. Levei um susto e dei um salto para o lado. Era o gerente com a cabeça quase encaixada no meu ombro e os olhos grudados no que eu anotava no papel. Repreendi-o, dizendo-lhe que ele receberia uma cópia do meu relatório quando estivesse formalmente concluído. Entretanto, à medida em que meu trabalho avançava, encontrei um problema que poderia se constituir na “ponta de um iceberg”. Na sexta-feira resolvi não deixar a agência, temendo que no sábado e domingo alguns documentos pudessem ser subtraídos. Deste modo, trabalhei durante todo o fim de semana, deixando o posto apenas para me alimentar e dormir. Ao final, as irregularidades não eram tão graves, mas perdi o casamento do meu amigo por colocar, como realmente tinha que ser, o interesse do Banestado à frente dos meus interesses pessoais.

Andirá

Eu e um colega que vou aqui chamar de “João”, fazíamos em conjunto a inspeção na agência de Andirá. Terminamos nosso trabalho numa quinta-feira. Era julho, mas os dias anteriores tinham sido quentes. Porém a temperatura caiu verticalmente naquela data. Eu e João não estávamos com agasalhos suficientes. Enquanto esperávamos pelo ônibus que antes nos levaria a Londrina, meu colega dava longas corridas pela rodoviária aberta, indo e voltando, “para espantar o frio”. Chegamos a Londrina quase congelando, e João me disse que, devido ao frio, ao chegar a Curitiba ele iria dormir pelo resto da manhã para se recuperar, e que só após o almoço, ou no fim da tarde, iria prestar contas com o chefe dos inspetores. Acrescentou: “Em vez de você ficar ‘se matando’ em viagem direta a Curitiba para prestar contas ainda de manhã, desça do ônibus em Ponta Grossa, descanse na sua casa, almoce, e depois disso viaje para prestar contas em Curitiba”.   Gostei da ideia e resolvi que desembarcaria na minha cidade para descansar pelo restante da manhã, almoçar em família, e seguida embarcar para a Capital. Enquanto esperávamos pelo ônibus em Londrina, encontramo-nos com um colega, que vou chamar de “Aparecido”, que terminara uma inspeção numa cidade próxima. Portanto, embarcaríamos os três no mesmo veículo. Ali na plataforma despedi-me dos colegas João e Aparecido, entrei no ônibus e disse ao motorista que eu ficaria em Ponta Grossa na esquina da Rua Balduino Taques com a XV de Novembro, a cem metros da minha residência. Minha poltrona era a primeira no lado das individuais do ônibus-leito, e sobre ela coloquei no bagageiro a minha valise e a pasta de executivo. João escolhera uma poltrona ao fundo, e Aparecido ocupou o lugar atrás de onde eu estava. Iniciamos uma longa e sofrida viagem. Várias vezes o motorista parou o ônibus na estrada e desceu para ir raspar com uma faca o vidro dianteiro, porque ali se formavam cristais de gelo que atrapalhavam a sua visão. Na janela ao lado da minha poltrona também surgiram cristais gelados pelo lado de fora, que tomaram formas arredondadas e sinuosas. A temperatura estava bem abaixo de zero.
Passamos por Ponta Grossa ainda noite, eu peguei a mala e a pasta padronizada de inspetor, desembarquei e em apenas um minuto, tiritando de frio, alcancei o edifício onde residia. Entrei silenciosamente, pois minha mãe dormia em seu quarto com a porta fechada, esquentei um copo de leite e fui para o meu quarto. Tão intenso era o sono que me deitei e adormeci quase instantaneamente.
Foi então que tive um estranho sonho. Sonhei que meu chefe, Wilson Ganem, telefonava para minha casa. Minha mãe atendia ao telefone, vinha ao meu quarto, e me dizia: “Seu chefe telefonou, pedindo que vá imediatamente para Curitiba”. E no sonho eu respondia à minha mãe: “Diga-lhe que estou dormindo e que chegarei somente à tarde”. Despertei no mesmo instante, lembrando-me com clareza do sonho. Ainda não tinha amanhecido. Saí do meu quarto, fui ao da minha mãe, abri cuidadosamente a porta e ouvi que ela ressonava. Voltei à cama e adormeci.
De repente minha mãe abriu a porta e me falou exatamente assim: “Meu filho, seu chefe acaba de telefonar, pedindo que você vá imediatamente a Curitiba”. E eu, ainda tonto de sono, perguntei a ela: “Mas a senhora está me dizendo isso pela segunda vez?”. Minha mãe respondeu: “É claro que estou lhe dizendo isto pela primeira vez. Seu chefe acaba de telefonar e me disse que você desembarcou aqui em Ponta Grossa com a pasta de seu colega Aparecido, e que este ficou com a sua”. Eu não conseguia compreender. Perguntei à minha mãe que horas eram. Respondeu-me: “São nove e meia”. Insisti se ela não teria me dado o mesmo recado antes de amanhecer. Ela me respondeu rindo que eu certamente tinha sonhado, pois recebera o recado uma só vez e naquele exato momento.
O que se passou foi um fenômeno de premonição, tão estranho e raro, que poderia interessar até mesmo aos estudiosos desses eventos. Ou seja, eu sonhei antes do amanhecer com um telefonema que iria ocorrer de fato somente horas depois, às nove e meia da manhã. Fiquei impressionadíssimo por ter sido eu o objeto de um sonho premonitório. Devido a essa estranha experiência, eu iria mudar meu conceito de mundo, com a convicção de que aquela máxima de Shakespeare na tragédia Hamlet era extremamente verdadeira: “há mais mistérios entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia”.
Tomei um banho rapidíssimo, nem fiz a barba e chamei um táxi para que me levasse a Curitiba – obviamente às minhas próprias expensas. Naquele tempo em que não se conheciam as limitações de velocidade nas estradas, meu táxi “voou” até à capital, onde cheguei observando os telhados brancos que resistiam ao degelo. Era a grande nevada da década de 70. Fui diretamente ao setor de Recursos Humanos do Banestado. O motorista de táxi esperou-me na porta, enquanto subi e pedi o endereço do meu colega João, pois sentia necessidade de contar-lhe o sucedido, e meu estranhíssimo sonho premonitório, antes mesmo de nos encontrarmos com nosso chefe. João residia num bairro distante, e segui no táxi vendo os vestígios da neve por toda parte. Chegando à casa do João, bati palmas e sua esposa atendeu. Identifiquei-me e pedi para falar com ele. A esposa me disse: “Mas o João ainda não chegou. Ele me telefonou dizendo que sairia de Londrina hoje cedo, e que chegando à tarde irá diretamente para a inspetoria”. Fiquei desconsertado, sem compreender imediatamente o que se passava, pois João viajara comigo no mesmo ônibus e teria chegado a Curitiba ao amanhecer. Em segundos compreendi: João não tinha ido para sua residência, mas para a casa da amante, onde ficaria até à tarde. Que susto! Se eu tivesse dito que viajamos juntos durante toda a noite, teria se desencadeado uma séria crise familiar. Porém tivemos um final feliz. Fui à inspetoria, onde eu e Aparecido destrocamos as pastas. Só reencontrei o João muitos anos depois, e discretamente resolvi não tocar naquele assunto.
Dura vida dos inspetores. Pelo sucesso da nossa empresa, entretanto, demos a ela o que de melhor tínhamos. O Banestado se foi para sempre, esmagado pela ganância e desonestidade de alguns e pelos descaminhos da malfadada política de privatizações em níveis estadual e federal pelo Governo FHC, que tanto prejuízo e dor infringiram ao Paraná. Mas todos nós, os funcionários, irmanados pelos nossos próprios ideais, realizamos com galhardia e sinceridade as nossas tarefas, cujos resultados haverão de permanecer indeléveis através do tempo, inscritos nas nossas memórias e corações.

- FIM -

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2ª participação:

O QUE FOI O PROGRAMA DE CULTURA DO BANESTADO

Autor: Francisco Souto Neto
Concorreu com o pseudônimo de Velho Companheiro

          Após o longo período da ditadura, quando os governadores eram impostos pelo Poder Militar através das “eleições indiretas”, o primeiro eleito no Paraná em sufrágio universal foi José Richa, que assumiu em 15 de março de 1986. Na composição da nova diretoria do Banestado, ele levou Léo de Almeida Neves à presidência da instituição, e indicou seu amigo Octacílio Ribeiro da Silva para o cargo de diretor de Crédito Rural e Agroindustrial. Francisco Souto Neto, que já era assessor daquela diretoria desde os tempos do Governo Jayme Canet Júnior, foi mantido no cargo. Afortunadamente a Carteira Rural, criada por Paulo Schultz Filho, tornara-se um exemplo de trabalho sério e disciplinado, que servia de modelo para inúmeros outros bancos e era respeitada e enaltecida pelo Banco Central do Brasil. Os antecessores de Octacílio Ribeiro naquela diretoria, desde o Governo Canet (Mário Saporiti, Ivo Meirelles de Almeida e Lourival Guebert), tinham sido muito sérios e capazes, e deixaram a diretoria perfeitamente organizada, sem ingerências de políticos, num patamar altamente elogioso.

          Era natural que os diretores do primeiro governo eleito pelo povo chegassem desconfiados, imaginando que o Banestado poderia ser um covil de víboras. No primeiro contato com o assessor da diretoria, Octacílio Ribeiro disse: “o senhor fica até que a poeira assente”. Mandou convocar os chefes da Divisão e dos Departamentos para uma reunião “em quinze minutos, sem atrasos”. Nessa reunião o novo diretor esmurrava a mesa com tanta força, que cinzeiros e copos trepidavam. Ele tinha certeza do seu poder e intimidava a todos. Ao assessor Souto Neto falou: “eu sou muito exigente com a Língua Portuguesa”, ao que este lhe respondeu: “Então nós nos daremos bem, pois eu também sou muito exigente com o idioma pátrio”.

          Com a passagem do tempo, Octacílio Ribeiro percebeu que a Carteira Rural, como era chamada a sua diretoria, funcionava com a precisão de um relógio suíço, e que todos ali trabalhavam com responsabilidade e presteza. Anos depois o assessor comentou, e isto ficou registrado na imprensa, que aos poucos ele foi descobrindo que por trás do homem carrancudo e furioso existia outro ainda mais forte, dotado de grande cultura e sensibilidade, e pressentiu que aquele diretor combativo poderia apoiar a ideia de direcionar o banco para as causas da cultura com argumentos capazes de convencer os seus demais pares de diretoria.

          A primeira ideia partiu de Adão Vilmar de Oliveira, que após a aposentadoria de Paulo Schultz ocupava o cargo de chefe da Divisão de Crédito Rural, e de Elzi Zanotto Hohmann, secretária da diretoria, sugerindo a Octacílio Ribeiro que realizasse uma exposição revelando os artistas plásticos existentes entre os funcionários da empresa. Francisco Souto Neto ampliou a ideia, propondo a criação de um salão de arte que se repetisse anualmente, que seria realizado sem despesas para o banco, porque era possível obter recursos oriundos não apenas da Lei de Incentivo à Cultura, mas também do patrocínio de empresas que seriam beneficiadas com a simples divulgação do evento através da imprensa. Sugeriu ainda que o salão de artes plásticas aceitasse inscrições não apenas de funcionários, mas também de correntistas do Banestado, que fossem artistas em fase de desenvolvimento e que ainda não tivessem recebido prêmios em salões oficiais ou de reconhecido nível, caracterizando-se como “artistas inéditos”. Souto Neto pediu ao diretor Octacílio Ribeiro que obtivesse permissão da diretoria para que Tadeu Petrin fosse autorizado a ajudá-lo na criação do regulamento do certame, que teria o nome de “Exposição de artistas amadores funcionários e clientes do Banestado”. Com a anuência dos demais diretores, o presidente Léo de Almeida Neves autorizou a realização do certame. Posteriormente, na distribuição dos certificados de participação, o nome do evento foi alterado retroativamente para “1º Salão Banestado de Artistas Inéditos”, o SBAI.

          O Banestado não tinha um espaço adequado para realizar o evento, por isso a mostra, em novembro e dezembro de 1983, realizou-se no Senac, que cedeu ao Banestado a sala de exposições da sua sede da Rua André de Barros, 750. A inauguração do foi feita por José Brandt Silva, que ocupava o cargo de presidente deixado por Léo de Almeida Neves. O sucesso foi retumbante e todos os jornais de Curitiba, e alguns de Ponta Grossa, Londrina e Maringá, noticiaram o acontecimento, que também repercutiu intensamente nas colunas sociais. Depois disso, na reunião de diretoria com o presidente, todos mostraram-se surpresos com o elogioso marketing realizado ao redor do nome do Banestado. E assim o SBAI continuou se repetindo todos os anos, até 1999, às vésperas da privatização do Banestado, tendo descoberto e projetado miríades de artistas plásticos, muitos dos quais depois tiveram projeção nacional. Em dezesseis anos de retumbante sucesso, a imprensa fez, literalmente, milhares de elogios ao Banestado, que se encontram hoje na internet, digitalizados, uma fonte quase inesgotável de informações, onde nos baseamos para o desenvolvimento deste texto.

          No ano seguinte, 1985, o II SBAI ocorreu na Galeria de Arte Banestado, criada por Christóvam Soares Cavalcante, presidente da Banestado Crédito Imobiliário, no andar térreo do prédio que pertencia àquela empresa conglomerada, sito à Rua Marechal Deodoro, 333, mesmo edifício onde funcionava a presidência da BCI. Cavalcanti convidou Vera Munhoz da Rocha Marques para gerir a nova galeria de arte (no que foi ajudada por Clarissa Lagarrigue) que funcionava orientada por um competente Conselho Administrativo. Vera Marques era uma respeitada socialite que, a pouco e pouco, transformou a Galeria Banestado num local de encontro de artistas e intelectuais. Grandes nomes como Poty e Dalton Trevisan, dentre outros igualmente importantes, ali se encontravam para ver as obras de quem estivesse expondo, e ficavam a discutir novidades e tendências culturais.

A partir de 1985 o assessor de Octacílio Ribeiro criou a base para a instalação do Programa de Cultura do Banestado. Uma vez mais a ideia foi aprovada por todos os diretores, e Octacílio, por força de uma portaria, recebeu a atribuição de Diretor para Assuntos de Cultura, paralela à de Diretor de Crédito Rural e Agroindustrial.

O Programa de Cultura incorporou o Coral Banestado, que já existia numa das empresas conglomeradas, regido por Amoz Camilo dos Santos, a quem deu condições de se expandir e aperfeiçoar, e liberdade para apresentar-se em eventos públicos e cívicos.

Constantino Viaro, diretor do Teatro Guaíra, tivera a ideia de dotar cidades do interior do Paraná com teatros, através do seu ambicioso Projeto Barracão. O Banestado apoiou o projeto, acolhendo a sugestão do Assessor para Assuntos de Cultura, que impôs a condição de que aqueles espaços fossem registrados com o nome de “Teatro Banestado”.

Em 1986 Francisco Souto Neto propôs a seu diretor a criação do Museu Banestado. A ideia não era nova, pois outros colegas tinham tentado sem sucesso criar um museu, mas colecionavam peças da história da instituição, tais como móveis que foram usados na primeira agência do Banestado, livros das primeiras atas das assembleias, e muitos objetos, documentos e fotografias. Foram eles Emerson Casseb, Sérgio Figueiredo, José Carlos Carreira Pequeno, Wilson Ganem e José Maria Antônio, dentre outros. O apoio de Aroldo dos Santos Carneiro, diretor de Serviços Administrativos, foi também fundamental para o coroamento do projeto. A Comissão de Implantação do Museu Banestado, presidida por Francisco Souto Neto, completou-se com Paulo Schultz Filho, Rosane Fontoura, Rodrigo Otávio Collere de Oliveira e Silmara Krainer Vitta. Segundo o jornal Todos Nós nº 114, de maio de 1987, o Museu Banestado foi inaugurado no dia 13 de fevereiro daquele ano, e Rosane Fontoura tornou-se a primeira administradora. Estiveram na inauguração o governador João Elízio Ferraz de Campos, David Carneiro, Celso da Costa Sabóia, Léo de Almeida Neves, José Brandt Silva e muitas outras personalidades.

O Assessor para Assuntos de Cultura do Banestado também editava um livro por mês, de autor paranaense, que era lançado na Galeria de Arte Banestado, assim mesclando a literatura com as artes plásticas. Tudo ocorria sem ônus para o Banestado, que teve a sua imagem pública enaltecida pelos mais importantes jornais, revistas e jornalistas da época. Autores como Sílvio Back, Anita Zippin, Poty Lazzarotto, Alice Ruiz e Helena Kolody ali lançaram livros, mas o Programa de Cultura apoiou principalmente literatos ainda desconhecidos, sem livros editados até então, mas dotados de grande talento e verve literária.

O Programa de Cultura do Banestado prestigiava todas as formas da arte: artes plásticas, música, literatura, cinema, teatro. Ao final do governo Richa, Álvaro Dias foi eleito governador. Octacílio Ribeiro, o único diretor do governo anterior mantido no governo eleito, foi convidado para assumir a presidência da Banestado Reflorestadora. Seu assessor Souto Neto acompanhou-o, com a concordância de Álvaro Dias. Para a Secretaria de Estado da Cultura foi convidado René Ariel Dotti. O Paraná iria entrar numa verdadeira “era de ouro” com Dotti capitaneando a cultura do Estado. O Programa de Cultura do Banestado, gerido por Francisco Souto Neto, continuou não apenas sem interrupção, mas ampliou-se. Realizou-se o IV SBAI com sucesso crescente, porém em março de 1988, ao completar um ano o Governo Álvaro Dias, houve uma grande reformulação política em vários níveis. Octacílio Ribeiro “caiu” do Banestado e foi para uma diretoria regional do Banco do Brasil em Curitiba. Terminava assim a parceria de cinco anos entre ele e Souto Neto.

Após três dias em meio à “tempestade”, Souto foi chamado pelo vice-presidente do Banestado, Edisson Eleri Faust, que era também presidente da Banestado Crédito Imobiliário, que o convidou a participar da sua assessoria, não mais como assessor pessoal, nem técnico, mas exclusivamente como “Assessor para Assuntos de Cultura”. Faust resolvera não ocupar o seu gabinete de presidente da BCI no 7º andar do prédio sito à Av. Marechal Deodoro, 333 (em cujo andar térreo funcionava a Galeria de Arte Banestado), mas apenas o gabinete de vice-presidente do Banestado no Conglomerado Financeiro à Rua Máximo João Kopp, no bairro de Santa Cândida. Ofereceu então ao Souto Neto o seu gabinete no prédio da BCI, onde estavam locadas a secretária Flávia Moreira Salles e a auxiliar Cecília Maria Palhares.

Faust conhecia o Programa de Cultura, pois costumava comparecer a exposições e lançamentos de livros, e deu “carta branca” ao novo assessor para ampliar suas próprias atribuições. A primeira proposição do assessor foi uniformizar os regimentos internos das Galerias de Arte Banestado de Curitiba, Ponta Grossa e Londrina, todas orientadas por conselheiros compostos de personalidades ligadas à vida cultural de cada uma das cidades. Paralelamente, pediu permissão para estudar as possibilidades de inaugurar novas galerias de arte em Maringá e Cascavel.

Alguns meses depois, naquele mesmo ano, em meio a uma nova tempestade política, “caiu” Edisson Faust da vice-presidência do Banestado. No fim mesmo dia, Souto Neto foi chamado pelo presidente do Banestado, Carlos Antônio de Almeida Ferreira, para integrar a sua assessoria. “Dr. Almeida”, como passou a ser conhecido, formou uma “dobradinha cultural” com o Secretário de Estado René Ariel Dotti e, nos três anos que se seguiram do Governo Álvaro Dias, o Paraná conheceu um ímpeto cultural jamais antes visto e que nunca mais se repetiria em tal intensidade. O assessor prosseguiu desenvolvendo o Programa de Cultura do Banestado e instituiu um colegiado de experts como componentes de uma “comissão para aquisição de obras de arte”, com o propósito de depurar a compra de telas para as paredes de novas agências. O SBAI – Salão Banestado de Artistas Inéditos chegou a ocupar o lugar do oficial Salão dos Novos (da Secretaria de Estado da Cultura) nos anos em que este entrou em recesso, e pelo seu alto padrão de excelência foi várias vezes comparado ao Salão Paranaense, segundo registros da imprensa da época, agora digitalizados e na internet.

Ao terminar o Governo Álvaro Dias, Heitor Wallace de Mello e Silva foi indicado pelo novo governador, Roberto Requião, para assumir a presidência do Banestado. Numa cerimônia realizada no Museu Banestado no princípio de 1991, o novo presidente inaugurou o retrato do seu antecessor Dr. Almeida. Em seu discurso, Souto Neto informou que se aposentaria dentro de três meses e pediu ao novo presidente Dr. Heitor que mantivesse o Programa de Cultura do Banestado, pela importância que tinha o mesmo no cenário paranaense.

Ao aposentar-se em junho de 1991, Francisco Souto Neto foi sucedido por Tina Camargo, que ficou somente alguns meses no cargo, tendo sido substituída por Maria Amélia Junginger como Assessora para Assuntos de Cultura. Esta realizou um SBAI – Salão Banestado de Artistas Inéditos e em 1992 aceitou o convite do governador para dirigir o Museu de Arte Contemporânea, tendo sido substituída como assessora por Vera Munhoz da Rocha Marques, que também realizou um Salão Banestado. Contudo, o Programa de Cultura começava a desabar, principalmente porque no ano seguinte o novo presidente do Banestado, Luiz Antônio Fayet, suspendeu os Salões Banestado e pretendeu transformar a Galeria de Arte num espaço para exposições apenas étnicas. Felizmente a imprensa interveio, assim como alguns políticos, explicando a Fayet a importância daquele espaço destinado às artes plásticas. Desgostosa com os retrocessos, Vera Marques aposentou-se e Domício Pedroso ocupou seu lugar, permanecendo no cargo também por pouco tempo. Mais uma mudança durante o Governo Requião afastou Fayet da presidência do Banestado e colocou Domingos T. Murta Ramalho em seu lugar. A esse tempo, a  Galeria Banestado transformou-se em Espaço Cultural Banestado, atendido por Clarissa Lagarrigue.

No Governo Jaime Lerner assumiu o posto de responsável pelo novo Espaço Cultural Taís Horbatiuk, que conseguiu realizar o XII e XIII Salões Banestado de Artistas Inéditos e depois foi sucedida por Tânia Dallegrave Góes e Ana Cristina Rank, que inauguraram com sucesso o XIV SBAI em dezembro de 1998. Nesta derradeira edição, foram convidados para atuar como componentes da comissão julgadora Dulce Osinski, Francisco Souto Neto, João Henrique do Amaral, Lirdi Jorge e Nilza Procopiak.

Em 2000 o Banestado foi dolorosamente privatizado por Jaime Lerner, na campanha de privatizações do presidente Fernando Henrique Cardoso. Terminava a gloriosa caminhada do Banco do Estado do Paraná, que desde 1928 vinha ajudando a desenvolver e construir o “Estado dos pinheirais”, e que nas décadas de 80 e 90 também impulsionou admiravelmente a cultura do Paraná no seu sentido mais amplo.

As novas gerações já não sabem o que foi e o que significou o Banestado. Mas a grandeza e a dedicação dos que trabalharam na empresa com amor e respeito ficarão perpetuadas nos registros jornalísticos para as gerações futuras. Todos, dos diretores aos contínuos, são legítimos representantes da instituição que impulsionou o panorama industrial, agrícola e cultural do Paraná, ajudando a prover o nosso Estado dos alicerces que possibilitaram elevá-lo ao estágio em que ora se encontra, motivo de orgulho dos paranaenses e de admiração e respeito de todos os brasileiros.

- FIM -

3ª participação:

A HISTÓRIA DAS TELAS PERDIDAS DOS PRESIDENTES DO BANESTADO

Autor: Francisco Souto Neto
Concorreu com o pseudônimo de Le Lapin Agile

O Banco do Estado do Paraná S. A., depois popularizado como Banestado, foi fundado em 1928 por Affonso Alves de Camargo, presidente do Estado do Paraná, que era como se denominava o título do governo estadual na época. Para presidir a nova instituição financeira, Affonso Camargo convidou o coronel Pretextato Pena Forte Taborda Ribas. O banco começou a desenvolver-se, enquanto se sucediam os presidentes, interventores federais de 1930 a 1947, e a partir de 12 de março de 1947, os governadores do Estado do Paraná. Os presidentes do Banestado foram sendo convidados conforme sopravam os ventos da política. O segundo presidente da instituição foi o historiador David da Silva Carneiro (de 1930 a 1932), seguido por Gustavo A. de Carvalho, Bertholdo Hauer, Ivo Abreu de Leão, Rivadávia de Macedo, Arcésio Correia Lima, Felizardo Gomes da Costa, e assim sucessivamente, num total de exatos 40 presidentes de 1928 até o ano 2000.

Na década de 40, oito presidentes do Banestado retratados por De Bona Não se sabe exatamente em que ano, mas durante a década de 40, alguém, cujo nome lamentavelmente se perdeu no tempo, sugeriu ao então presidente do banco que mandasse pintar retratos a óleo dos seus antecessores. A ideia foi aprovada e os trabalhos encomendados ao mais importante retratista da época, Theodoro De Bona. O interventor no Estado do Paraná era Manoel Ribas, que apoiou a preservação da memória dos primeiros presidentes do Banestado e seus sucessores.
De Bona estava com aproximadamente 40 anos e pintou magníficos retratos que enriqueceram uma das paredes da presidência do Banestado.

O desaparecimento das telas – Até os primeiros anos da década de 60, os oito retratos foram admirados por quem tinha o privilégio de entrar naquele gabinete. Segundo alguns, numa das mudanças de governo, o novo presidente da instituição bancária, decidido a modernizar o seu ambiente de trabalho, teria mandado retirar os quadros da parede, e a partir de então as pinturas não foram mais vistas. Outros afirmam que quando a presidência do banco mudou-se do histórico prédio da Rua XV de Novembro para o moderno edifício na Rua Monsenhor Celso nº 256, a alguns metros da Praça Carlos Gomes, os quadros não foram para a nova sala ocupada pelo presidente. Seja como for, diz o velho ditado “longe dos olhos, longe do coração”, e assim os funcionários começaram a se esquecer das telas que estariam guardadas em algum depósito.
Na ciranda da vida e da política, sucederam-se governadores e alternaram-se diretores e presidentes do Banestado.

Década de 80, o jornal Todos Nós e as telas extraviadas – Exatamente na metade da década de 80, o general João Figueiredo completava a transição entre a ditadura militar e o início da redemocratização. No Paraná José Richa era o primeiro governador eleito por sufrágio universal após o período dos governadores escolhidos pelo Poder Militar. O jornal Todos Nós, de circulação mensal, tornara-se o veículo da divulgação de assuntos envolvendo o Banestado e seus funcionários.
Graças a muitos exemplares que guardei, principalmente da década de 80, foi possível rastrear a história das telas de De Bona, que ficou preservada no Todos Nós nº 111, ano XII, de setembro de 1986, página 10. Na ficha técnica da edição, consta que a referida publicação tinha como coordenador Ricardo de Quadros Cravo, gerente do departamento de marketing João Máximo Salomão Netto, editor Tadeu Petrin, redatores Josiliano Mello Murbach e Silmara Krainer Vitta, fotógrafo Roberto A. Von Der Osten e diagramação do mesmo editor Tadeu Petrin. O título da matéria era “Museu Banestado começa com De Bona”, numa narrativa feita por Francisco Souto Neto, então assessor do Diretor de Crédito Rural e Agroindustrial, e presidente da Comissão de Implantação do Museu Banestado. Segundo o Todos Nós, sabia-se da existência de vários quadros de Theodoro de Bona que retratavam os primeiros presidentes do Banestado, que deveriam estar esquecidos em algum local não sabido da empresa. O Departamento de Patrimônio, que mantinha o controle e o registro das obras de arte, pelo menos oficialmente desconhecia a existência das telas. Rumores alertavam que as obras estiveram guardadas durante muito tempo na casa de máquinas dos elevadores do edifício na Rua Monsenhor Celso que, por muitos anos, abrigou a diretoria e alguns órgãos da Direção Geral do Banestado. Possivelmente ao final de alguma gestão, ou talvez com a transferência ou aposentadoria dos funcionários que tinham conhecimento de tais obras, ficaram elas esquecidas e abandonadas à sua própria sorte.
Ao ser inaugurado o Centro Administrativo Banestado no bairro de Santa Cândida, em 24 de novembro de 1978, os diversos setores foram sendo aos poucos transferidos para o novo endereço. Providencialmente, as oito telas de De Bona também tinham sido enviadas para lá, acondicionadas numa grande caixa de papelão, mas sem maiores referências, e ficaram sem identificação em algum depósito.

O achado em 1986 e o estado das obras – Segundo a reportagem do Todos Nós, no começo de 1984 Tadeu Petrin, da Coordenadoria de Marketing, teria comentado com Francisco Souto Neto, assessor da DCRER e também assessor para Assuntos de Cultura, que as telas talvez estivessem na caixa-forte da empresa conglomerada BABS. Souto pediu a Petrin que procurasse averiguar. Este fez uma pesquisa visual que resultou infrutífera.
No dia 12 de junho de 1986 – coincidentemente véspera do aniversário de Theodoro De Bona – um funcionário da BABS, Otto Florentino, mexendo ao acaso em velhas caixas de papelão no depósito do seu setor de trabalho, encontrou as oito telas. Identificando-as e presumindo seu alto valor, comunicou o fato ao Dr. Reis, presidente da BPDS, que mandou levá-las para seu gabinete com o propósito de salvá-las do abandono. Diz a reportagem que logo a notícia chegou aos ouvidos de Francisco Souto Neto que, como presidente da Comissão de Implantação do Museu Banestado, requisitou-as para comporem o acervo do futuro museu, no que foi prontamente atendido pelo Dr. Reis. As telas estavam danificadas, algumas furadas e outras rasgadas, e várias molduras quebradas, faltando-lhes pedaços.
As obras não estavam catalogadas porque, obviamente, delas não se tinha conhecimento oficial. O Departamento de Patrimônio, que mantinha rigoroso controle e documentação fotográfica das obras de arte do Banestado, não sabia da existência das telas de De Bona porque há mais de duas décadas estavam elas relegadas ao esquecimento. Se houve insensibilidade neste episódio, melhor seria atribuí-la aos fantasmas do passado, naquele momento em que um presidente do Banestado, mandando retirá-las da parede, condenou-as ao olvido.
Ao Todos Nós de setembro de 1986, Souto Neto declarou ao final da reportagem: “O estado atual das telas demonstra o alto grau de ignorância, e a falta de educação e respeito das pessoas em relação às obras de arte. Resta, entretanto, a satisfação que estou tendo pela oportunidade de resgatá-las do abandono e do esquecimento aos quais estiveram relegadas nas últimas décadas, e pela possibilidade de expô-las permanentemente ao público, através do futuro Museu Banestado”.

Restauração e repercussões – Os trabalhos de restauro das pinturas foram entregues à professora Maria Ester Teixeira Cruz, do ateliê de restauros do Solar do Barão, que fez a substituição dos chassis infestados de cupins, nivelamento das telas, reentelamento devido ao descolamento de camadas das pinturas, limpeza, retoques e camadas de proteção, sem falar na recuperação de diversos furos e rasgões que as obras apresentavam. Também as molduras foram reconstituídas, limpas e pintadas.
Absolutamente todos os jornais de Curitiba comentaram o resgate das telas pelo Banestado, e os principais articulistas referiram-se elogiosamente aos acontecimentos: Aramis Millarch em sua coluna diária Tabloide, do jornal O Estado do Paraná, David Carneiro em sua coluna também diária Veterana Verba, na Gazeta do Povo, e muitos outros. Observando o entusiasmo da diretoria com o marketing favorável que a imprensa fazia ao redor do acontecimento, o assessor Souto Neto sugeriu ao seu diretor completar a galeria de retratos pintados de todos os ex-presidentes do Banestado, até Léo de Almeida Neves, que era o antecessor do então atual Nicolau Elias Abagge. A ideia foi aprovada e Souto Neto começou a pesquisar quais seriam os retratistas que dariam sequência à obra iniciada por De Bona. A escolha recaiu sobre Antonio Macedo (autor dos retratos, no Palácio Iguaçu, de sete governadores do Paraná), e Vilmar Lopes, um jovem e promissor artista plástico.

A inauguração do Museu Banestado – É ainda o Todos Nós que preserva a história da inauguração do nosso Museu, na sua edição nº 114 de maio de 1987, em reportagem intitulada “Inauguração do Museu Banestado marca o início da preservação”. Originalmente instalado no 11º andar do edifício sito à Rua Monsenhor Celso nº 151, constava de três salas para exposição do acervo, e uma para mostras temporárias. Registra em seu segundo parágrafo: “O acervo começará pequeno e singelo, mas caberá ao seu Conselho Administrativo e à gerente do Museu, Rosane Fontoura, traçar diretrizes e planos quanto à ampliação desse acervo, projetar exposições e mostras temporárias, dimensionar as suas atividades e eventos culturais e trabalhar pela sua ampliação no 12º andar, dotando-o de um pequeno teatro e biblioteca, transformando o local em ponto de encontro da intelectualidade paranaense. Desde a sua inauguração o Museu exibe em sala especial roupas e objetos pessoais que pertenceram a Benjamim Constant, e que fazem parte do acervo do historiador David Carneiro, por este emprestados ao Museu Banestado”. A maior atração foi a galeria dos ex-presidentes, que magnetizava as atenções de todos. Artistas contemporâneos também doaram obras para o acervo do Museu, dois deles vencedores de Salões Banestado de Artistas Inéditos, que foram Rubens Faria Gonçalves e Jandira Martini. Ficou ainda o registrado no Todos Nós que o Museu Banestado instituiu uma cerimônia que se tornou tradição a cada mudança de titular da presidência do Banestado. Assim, Nicolau Elias Abagge presidiu o banco de 1º de janeiro de 1986 a 16 de março de 1987, quando transmitiu o cargo ao novo presidente João Carlos Finardi. Foi então pintado o retrato de Abagge, que Finardi inaugurou no último dia de agosto do mesmo ano. Essa cerimônia reuniu enorme número de políticos de partidos diferentes, até mesmo um ex-governador.

De 1987 a 2000 – Finardi presidiu o Banestado de 17 de março de 1987 a 30 de março de 1988, e seu sucessor foi Carlos Antonio de Almeida Ferreira que em novembro inaugurou o retrato do antecessor. A solenidade foi um marcante acontecimento com políticos, intelectuais e funcionários do banco, repercutindo em todos os jornais e revistas. As cerimônias das inaugurações dos retratos continuaram ocorrendo de administração para administração. Agora instalado no 2º andar da histórica agência da Rua XV de Novembro nº 340, o Museu estava administrado por Maria Lúcia Gomes. Heitor Wallace E. de Mello e Silva sucedeu a Almeida Ferreira, depois assumiram respectivamente Sérgio Elói Druszcz, Norton Macedo Correia, Luiz Antônio de Camargo Fayet e Domingos Tarço Murta Ramalho. A este momento, o Banestado encontrava-se prestes a sucumbir, ferido de morte por aqueles que o exauriram com má gestão, vilipendiaram e roubaram. Os dois últimos presidentes do Banestado, Manoel Campinha Garcia Cid e Renhold Stephanes, não chegaram a ser retratados...

Um salto no tempo – A história das telas não termina aqui e, infelizmente, não teve final feliz. Aprendemos, duramente, que nada é para sempre, e nem mesmo o glorioso Banestado, forte e sério, resistiria aos assaltos que os corruptos lhe infringiram, e à dureza e insensatez da política de privatização do governo estadual aliado ao federal. Acabou-se o Banestado e também o seu museu que era o depositário do nosso passado e nossas lembranças. Quando o Banestado foi comprado por preço aviltante pelo Banco Itaú em 17 de outubro de 2000, o Paraná cobriu-se de luto.
Qual teria sido o destino do acervo do Museu Banestado, que foi formado por doações de funcionários, ex-funcionários e de outros cidadãos sem qualquer vínculo com o banco, mas que desejavam ver aqueles objetos preservados num museu? Uma pesquisa na internet permitiu-nos reconstituir os prováveis caminhos percorridos pelo acervo do nosso Museu ao longo dos últimos treze anos, até o corrente 2013. Ademais, lembremo-nos de que o acervo do Museu seria insignificante se comparado à totalidade do acervo do Banestado, este não menos do que monumental e simplesmente incalculável. E tudo se foi de roldão.
Em princípio o Banco Itaú pretendeu entregar ao Paraná o acervo de arte do Banestado em comodato pelo prazo de dez anos. Isto significaria “emprestar” as obras ao Estado durante uma década, e depois tomá-las a si e fazer delas o que bem entendesse. A intectualidade paranaense protestou fortemente para que as obras de arte permanecessem para sempre no Paraná, e o Itaú, por fim, decidiu doar o acervo ao nosso Estado.  O idealizador do Museu Banestado sugeriu que o acervo deste, por ser constituído de objetos exclusivamente doados, fosse devolvido aos  doadores. O Itaú desconsiderou a ideia.
A cerimônia da entrega do acervo foi feita no Palácio Iguaçu e entendeu-se que o NovoMuseu o receberia. NovoMuseu (assim mesmo, ambas as palavras juntas) foi o nome dado à instituição por Jaime Lerner, que inaugurou a obra nos estertores do seu governo. Alguns dias depois, o novo governador Roberto Requião alterou o nome para Museu Oscar Niemeyer, hoje popularmente conhecido como “Museu do Olho”.
Porém o ex-NovoMuseu recebeu apenas as obras (mas não todas!) de artistas mais contemporâneos, ao passo que as de autores anteriores à década de 60 iriam para o Museu de Arte do Paraná, e as peças com sentido histórico seriam destinadas ao Museu Paranaense. Passaram-se os anos e os acervos, tanto do Banestado quanto o do Museu, não mais foram vistos.

Indagações em 2013 – É possível encontrar na internet o endereço certo para se conhecer em profundidade a história do Museu Banestado, desde a sua criação, ilustrada com recortes de jornais da época. Há fotografias da inauguração do museu e dos quadros de todos os presidentes do Banestado, recortes das campanhas para as doações, o cartaz-convite para o ato inaugural, comentários da imprensa, elogios, críticas, passando pelas várias solenidades que lá se realizaram. A partir do ano 2000 há recortes sobre os desenganos do Governo Lerner e o “escândalo Banestado”, com o link que leva ao extenso Relatório da “CPI do Banestado”. Essa página sobre o Museu Banestado alcança o ano de 2013 e se encerra com notícias ainda correntes e indagações que deixam em aberto o assunto do infortúnio do Banestado e seu museu. Este não é assunto encerrado, pois há muitas perguntas que ainda terão que ser respondidas.

O endereço para pesquisa – Basta escrever em “Pesquisas Google” as seguintes palavras: “expressão & arte” + “galeria de todos os presidentes do banestado”. Assim mesmo, entre aspas e letras minúsculas, com o sinal de “mais” entre as duas frases... e sem errar nenhuma das letras. Feito isto, o Google levará o interessado ao seu destino, que é conhecer algumas curiosidades, certos detalhes e muitas pendências que ainda pesam sobre o Museu Banestado e o acervo de arte do próprio Banco do Estado do Paraná.
Tudo isso envolve a história pessoal de cada um de nós, afabeanos e ex-funcionários daquela querida instituição, e reforça o nosso desejo coletivo de fazer com que recordações possibilitem que as pequenas histórias do Banestado se tornem História do Paraná e se perpetuem para muito além das nossas simples e passageiras existências.


- FIM -

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7 comentários:

  1. Oi, Padrinho. Li tudo e gostei muito. Lembro-me de suas jornadas pelo interior do Paraná, do quanto foi difícil e do quanto trabalhou em prol do banco com esmero e dedicação. Recordo-me do salão e museu Banestado, pois vivi um pouco com você e minha avó, e essas lembranças ainda estão presentes na minha memória. Continue escrevendo sobre o assunto. Pense num livro. Adorei!

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    1. Oi, Mara... Obrigado por ter lido e por continuar sempre me acompanhando. Beijo.

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  2. Oi Tio Neto!! É com enorme orgulho que li seus textos premiados. Sinceramente gostei muito, li parte por parte com atenção e sua longa contribuição no Banestado foi a mais impressionante. Realmente não sabia de suas inúmeras vivências e conquistas ao longo de sua vida profissional. Saiba que o senhor tem uma sobrinha neta muitíssimo orgulhosa do tio avô! Parabéns de coração. Isabelle Edith Aguilar da Rosa.

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    1. Querida Isabelle... Eu não imaginava que você leria os meus textos agora, pois sei que está ocupadíssima com os estudos, e amanhã cedo (melhor seria dizer hoje cedo, pois já passa da meia-noite) sábado, e também no domingo, estará se submetendo às pesadas provas do Enem. Vitoriosa você já é, pois já passou em duas universidades em Direito. Mas a vantagem do Enem é que lhe serão abertas as portas da UFPR. Desejo-lhe todo sucesso. E muito obrigado por ter lido minhas velhas histórias e gostado, Eu também me orgulho muito de você, minha querida. Beijo com carinho.

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  3. meu amigo Souto a informatica ainda é um misterio para mim, então talvez apareçam 2 mensagens, de congratulações o que ainda é pouco para voce meuraapaz, que com o pouco que tinha fez muito pela cultura, otimo texto, um abraço do seu amigo plinio

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    1. Oi, Plínio... Apareceu apenas uma mensagem, o que comprova que você já está dominando os "segredos" da internet. Meu amigo, muito obrigado pelas palavras de estímulo. Eu me sinto muito contente por você ter gostado do texto. Um abração.

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