quarta-feira, 13 de julho de 2011

Palacete Leão, tesouro arquitetônico de Curitiba

Arte e Memórias de Viagens

Francisco Souto Neto na Revista MARY IN FOCO nº 18 – Maio 2008 (p. 66-68), de Mary Schaffer e Marco Antônio Felipak

Capa



Créditos da Revista, página 4



Página 66


Página 67


Página 68




Palacete Leão, tesouro arquitetônico de Curitiba.

Francisco Souto Neto

     O Palacete Leão Júnior, ultimamente denominado “Palacete dos Leões”, sito à Av. João Gualberto nº 530, é uma das mais interessantes construções de Curitiba. Mandado erguer na virada do século, por Agostinho Ermelino de Leão Júnior, foi inaugurado em 1902.

     A capital do Paraná, então com apenas 35 mil habitantes, vivia o ciclo da erva-mate. Erguiam-se, no Alto da Glória e no Batel, os primeiros palacetes que viriam a marcar a memória arquitetônica da cidade.

     Quando, em 1906, o presidente Afonso Pena veio a Curitiba, hospedou-se no Palacete Leão Júnior, porque não existia qualquer hotel que estivesse à altura do ilustre visitante. E aquela mansão era, sem dúvida, a mais notável da cidade. Construída num estilo eclético pelo engenheiro Cândido de Abreu, incorporava algumas tendências de variadas épocas, mas foram as “villas” e os “palazzos” italianos, que mais o inspiraram. A fachada, acima da escadaria, compõe-se de cinco portas em arco, ladeadas por colunas com capiteis coríntios e entremeadas de pilastras, todas elas compondo a galeria de entrada que conta com duas pequenas salas em suas extremidades, abrindo-se, em seu centro, para os dois enormes salões principais. No passado, entretanto, o salão principal era o que se localizava à direita da entrada.

     A residência é maior do que aparenta. Quem a olha de frente, da rua, pensa estar vendo uma construção de um único andar. É que a beleza da fachada parece atrair todas as atenções, não deixando perceber que abaixo das imponentes portas de entrada, há todo um enorme andar térreo. Além disso, existe também um sótão na parte dos fundos do solar, acima do andar nobre. E, como não bastasse, mais uma escada leva ao torreão que funciona como mirante.

     Os detalhes do piso de madeira dos interiores, com formas geométricas, e das cerâmicas no piso da varanda lateral, bem como dos elaborados estuques, frisos e florões, e ainda das portas de cedro português ricamente entalhadas, dão à obra uma elegância verdadeiramente europeia. Além disso, os vidros coloridos de portas e janelas são de Murano e os mármores de Carrara. As cortinas e os papeis de parede da galeria de entrada são originais, ingleses, os mesmos de há mais de um século. À entrada do palacete, logo após o portão, encontram-se dois leões de cerâmica, de Santo Antônio do Porto.

     Leão Júnior viveu pouco para desfrutar da sua maravilhosa vivenda. Ele morreu em 1907. Sua viúva, Maria Clara de Abreu Leão, passou a comandar os negócios da família, do ramo ervateiro, até à sua morte em 1935. E o palacete foi passando às gerações seguintes da família Leão. Até que, no final dos anos 70, com a morte de uma das matriarcas, a propriedade foi vendida para a IBM, que restaurou magnificamente o palacete, para transformá-lo num espaço público para exposições de arte.

     Na primeira metade dos anos 80, abriram-se as portas do solar para as exposições. Convidado que fui para a inauguração do novo espaço, pude conhecer a beleza e os detalhes da vivenda. Assim como acontece com os antigos palácios particulares, que se transformam em museus abertos ao público, o Palacete Leão Júnior estava sendo presenteado à comunidade curitibana.

     Seu proprietário atual é o Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul – BRDE que, ocupando um belo e imenso edifício de vidro, com fachada para a outra rua do quarteirão, no lado oposto ao palacete, atrás das árvores e sem interferir no visual deste, uma vez mais mandou restaurar a mansão, agora chamada de “Palacete dos Leões”, destinando-a, como antes, às exposições de cunho cultural e artístico, e deste modo devolvendo-a à coletividade.

     A nobilíssima destinação dada pelo BRDE ao palacete, sem dúvida deixaria orgulhosos os seus primeiros proprietários, Agostinho Ermelino e Maria Clara, cujos retratos a óleo continuam pendurados sobre a lareira, os olhos voltados aos “intrusos” visitantes que, sempre curiosos mas também com certa reverência, penetram na intimidade daquela admirável antiga residência.

Ilustração maior, páginas 66 e 67 – Palacete Leão. Foto F. Souto Neto.
Ilustrações menores, página 67 – 1: Detalhe com sacada lateral. Foto F. Souto Neto. 2: Detalhes da fachada. Foto Rubens Faria Gonçalves. 3: Anjos no teto da galeria de entrada. Foto Rubens Faria Gonçalves. 4: Piso em cerâmica à entrada da varanda. Foto Rubens Faria Gonçalves.
Ilustração página 68: Cariátide da varanda. Foto Rubens Faria Gonçalves.

~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

OBSERVAÇÃO

Com esta postagem, encerra-se a documentação deste blog (*), que se compõe de duas postagens (2001 e 2002) envolvendo a revista INFORME MAGAZINE (dirigida por Nilton Romanowski), e de onze outras (2007 e 2008) da revista MARY IN FOCO (de Mary Schaffer e Marco Antônio Felipak).
(*) Em novembro de 2011 decidiu-se não encerrar aqui este blog, mas prosseguir transcrevendo as participações do autor em outras revistas e também em livros.

Ao encerrar (*), presto uma homenagem, abaixo, a meus queridos amigos, diretores das duas respectivas revistas, rememorando algumas das visitas que deles recebi.
(*) Em novembro de 2011 decidiu-se não encerrar aqui este blog, mas prosseguir transcrevendo as participações do autor em outras revistas e também em livros.


A visita de Marco Felipak a Francisco Souto Neto em 2007:



A visita de Mary Schaffer a Francisco Souto Neto em 2008: 



A  visita de Nilton Romanowski a Francisco Souto Neto em 2002: 


-o-

Rodolpho H. Ramina - Um artista plástico em ascensão

Arte e Memórias de Viagens

Francisco Souto Neto na Revista MARY IN FOCO nº 18 – Maio 2008 (p. 64-65), de Mary Schaffer e Marco Antônio Felipak

Capa


~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

Página 64



Página 65



Rodolpho H. Ramina – Um artista plástico em ascensão

Francisco Souto Neto

     Embora tenha participado de apenas duas exposições coletivas, Rodolpho H. Ramina é um artista plástico completo que muito rapidamente poderá alcançar merecida notoriedade.

     O currículo do artista revela ser ele engenheiro civil e economista, com mestrado em Engenharia Civil na Universidade de Melbourne, Austrália, em 1981. Tem também doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela UFPR em 2000. Foi Loeb Fellow da Harvard Design School, Universidade de Harvard, EUA, com um projeto de pesquisa em comunidades sustentáveis. Ainda segundo seu currículo, desde o início dos anos 90 o trabalho de Ramina “passou a focar nos impactos ambientais e sociais dos grandes projetos de infraestrutura que havia criado, com uma crescente percepção do conflito entre os objetivos de desenvolvimento e as realidades regionais”. Depois disso, foi Secretário de Planejamento da cidade de Campo Largo, na Região Metropolitana de Curitiba, diretor técnico da Companhia de Desenvolvimento da Capital do Paraná, e coordenador de pesquisa da Universidade Livre do Meio Ambiente, também de Curitiba. Em 1999 trabalhou com a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Estado do Paraná, e a partir de 2005 foi consultor da Federação das Indústrias do Paraná. No momento, “coordena o Plano das Bacias do Alto Iguaçu e Alto Ribeira, trabalhando com cenário de mudanças climáticas globais e seus impactos e consequências locais nos sistemas de gestão de recursos hídricos da Região Metropolitana de Curitiba”. Era natural que com tais atribuições, a arte de Ramina viria a revestir-se de importância também ecológica, conforme veremos adiante.

     Antes de conhecer as aquarelas feitas por Ramina, tive a oportunidade de folhear duas cadernetas de anotações feitas pelo artista, com variados desenhos. Estes, entretanto, quase sempre assemelhavam-se a obras de arte acabadas, realizadas com domínio de boa técnica que, em sua quase miniaturização, remete-nos às pequenas gravuras de Rembrandt.

     Outro detalhe interessante, antes que me referir às aquarelas propriamente ditas, é o envolvimento do artista com alguns dos princípios da Comissão Científica de Exploração, que em 1856 foi estruturada com apoio do imperador D. Pedro II com base em proposição do IHGB – Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, para explorar a vida animal de regiões quase desconhecidas do território brasileiro. Compunham-na experts em geologia, mineralogia, botânica, geografia e astronomia. Um artista plástico registrava, em aquarela, os animais até ali desconhecidos e os exemplares de uma flora pelos portugueses considerada exótica.

     Aí está o ponto em que a arte de Ramina se encontra com os princípios da Comissão Científica acima referida, como daquela que a sucedeu, a Comissão Científica do Ceará, realizada entre 1859 e 1861, esta também integrada pelo naturalista, zoólogo e explorador Manoel Ferreira Lagos. Ramina, como os artistas do passado, realiza as suas aquarelas in loco, evidenciando-lhes a importância ecológica.

     Embora o recurso da fotografia seja absolutamente válido – nos sentido de captar a paisagem para depois servir de base para que o aquarelista, no aconchego do estúdio, desenvolva o trabalho artístico –, as obras realizadas ao ar livre têm o mérito de melhor captar  o ambiente sob o vento que move a vegetação, sob a luz solar que se modifica com a interferência das nuvens e com a própria inclinação do sol em seu aparente caminho pelo éter celeste. É esse clima que Ramina capta nas aquarelas.

     Seus temas são preferencialmente ecológicos, embora também registre barcos e pequenas vilas, como a de Bertioga e da catarinense Pedrinhas, em suaves tons violáceos que sugerem o entardecer.

     Ramina tem realizado aquarelas em variados países. Na segunda coletiva de que participou, a “Traço e Cor”, ocorrida recentemente no Museu Botânico Municipal de Curitiba, ele expôs algumas obras realizadas também os Estados Unidos. Todas elas foram feitas com requintado conhecimento de técnica e com resultado de grande beleza.

      Daquilo que conheço de Rodolpho H. Ramina, se depreende a certeza de que este artista tem os atributos necessários para levá-lo a ocupar um espaço de destaque no cenário das artes plásticas do país.

Foto 1 – O artista plástico Ramina. Foto 2 – Francisco Souto Neto, o autor.

-o-

Atribulações, suspense e beleza: viagem à Rússia

Arte e Memórias de Viagens

Francisco Souto Neto na Revista MARY IN FOCO nº 17 – Abril 2008 (p. 64-65), de Mary Schaffer e Marco Antônio Felipak

Capa



~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

Página 64



Página 65




ATRIBULAÇÕES, SUSPENSE E BELEZA: VIAGEM À RÚSSIA

Francisco Souto Neto

      Estive na Rússia uma só vez, há muito tempo, em 1993. O Muro de Berlim caíra há apenas quatro anos, marcando o fim da União Soviética. As palavras da moda na política, em todo mundo, eram glasnost (“transparência” em russo, ou “abertura política”) e perestroika (reconstrução). A Rússia estava dando os primeiros passos rumo à democracia, e fazia isso com extrema desconfiança. Foi sob esse clima que eu e meu amigo Rubens Faria Gonçalves nos decidimos a fazer um cruzeiro pelo Mar Báltico, que partia de Amsterdã, visitando em doze dias as mais importantes cidades nórdicas, com uma parada por dois dias em São Petersburgo, a antiga Leningrado.

     Países que costumam exigir vistos de entrada, ordinariamente não o requerem para os turistas que desembarcam durante as atracagens de embarcações internacionais em seus portos. Portanto, na parada do navio em São Petersburgo, vistos de entrada estariam dispensados, porém apenas para todos os que integrassem as excursões oferecidas. Por outro lado, essas pessoas estariam proibidas de andar livremente pela cidade.

     Eu e meu companheiro de viagem iríamos participar de algumas excursões, mas também desejávamos andar à vontade pela urbe. Para isso, independentes, resolvemos solicitar vistos de entrada.

     Certa tarde recebi um telefonema. A pessoa identificou-se: “Aqui... cônsul drússia”. Pensei que se tratasse de uma propaganda qualquer da marca Cônsul. Pedi, embora já quase desligando: “Por favor, fale mais claro: é sobre a Cônsul?” “...de Rússia”, respondeu a voz com melhor clareza. Compreendi na hora: era o Cônsul da Rússia, falando com pesado sotaque. Ele queria saber por que motivo eu desejava entrar no seu país. “Ora, senhor, desejo passear pela Rússia”. E ele: “O que quer ver em St. Petersburg”?

     Naquele momento, um pouco aturdido, compreendi que estava sendo interrogado, e disto dependeria a concessão do visto de entrada naquele país. Informei então ao Sr. Cônsul todos os lugares que pretendia visitar, mas que também gostaria de andar pelas ruas, vendo o povo e a arquitetura da cidade. Muito amável, o Sr. Cônsul agradeceu e desligou.

     Na mesma tarde, meu amigo Rubens Faria Gonçalves estava dando uma palestra no SENAC, onde trabalhava, e foi interrompido pela secretária: “Desculpe, mas o Cônsul da Rússia está ao telefone e diz que é urgente”. E repetiu-se com ele o mesmo que comigo ocorrera.

     A partir dali, permanecemos durante semanas à espera dos passaportes, que não voltavam. Após muita tensão, contando com a permanente insistência da nossa agente de turismo, os passaportes chegaram! Já estávamos a apenas quatro dias do nosso embarque. Foi então que notamos que a permissão para o ingresso ao país, viera com datas erradas! Em vez de 10 e 11 de julho, o Cônsul anotara 10 e 11 de junho.

     Como o Cônsul atendia a dois consulados, São Paulo e Rio de Janeiro, tivemos que descobrir onde e quando ele estaria nos próximos dois dias. Encaminhamos nosso passaporte de volta ao Rio, por intermédio de um serviço especial de malotes, cientes de que se não recebêssemos nossos documentos de volta em tempo hábil, não poderíamos sequer embarcar para a Europa.

     Através de permanente contato com funcionários de ambos os consulados, acompanhamos, hora a hora, passo a passo, o itinerário dos passaportes e a agenda do Cônsul. Os oficiais de chancelaria russos, alarmados “em alerta vermelho” para a gravidade da situação, conseguiram fazer com que o Cônsul acertasse os vistos, e nós recebemos nossos passaportes de volta... na véspera do embarque. Tínhamos passado, sem dúvida, pelo momento mais estressante de todas as viagens que já empreendemos.

     No dia certo embarcamos em Amsterdã no magnífico Song of Norway e iniciamos o cruzeiro pelas águas do Atlântico. Atravessando o Canal de Kiel, que corta o norte da Alemanha, o navio alcançou o Mar Báltico.

     A estada em São Petersbourg revelou-se fascinante. No primeiro dia, o ponto alto das excursões foi ao magnífico Museu Hermitage. No segundo, fizemos um passeio ao palácio Tsarskoe Sello, na localidade de Pushkin, antiga residência de verão de Catarina, a Grande. 

     O palácio de Pushkin, com a quilométrica fachada branca e azul e detalhes dourados, abriga extraordinárias coleções de pintura e mobiliário de época. Foi a última residência do czar Nicolau II, onde ele vivia com a imperatriz Alexandra, quatro filhas – a menor das quais a famosa princesa Anastácia – e o caçula da família, o príncipe herdeiro Aleksei, que era doente e frágil.

     Naquele corredores recobertos de ouro ocorreram dramas universalmente conhecidos, e por eles circulava o místico Rasputin, exercendo influência sobre a imperatriz, porque ele conseguia controlar a doença de Aleksei, o pequeno czaréviche. Em 1917, ao estourar a Revolução Russa, a família imperial foi ali aprisionada e mandada para a Sibéria, onde seriam todos cruelmente assassinados a tiros e golpes de baioneta.

     Fomos ao aposento onde estava instalado o gabinete de trabalho do czar Nicolau II e vimos sua escrivaninha, a cadeira onde se sentava, e seus objetos pessoais. Discretamente corri os dedos pelos móveis e detalhes dourados das paredes, compadecido com o destino daqueles que lá residiram.

     Depois, de volta a São Pertersburgo, andamos pelas ruas centrais da urbe, apreciando a arquitetura austera e entrando nos pátios internos dos imensos – e pobres – edifícios residenciais. Notamos a total ausência de vitrines na cidade, herança do regime soviético. Ingressamos nas deslumbrantes igrejas. Vimos senhoras idosas trabalhando em limpar os trilhos dos bondes. Encontramos artistas às margens do Rio Neva, com seus cavaletes e telas, pintando a paisagem, e “conversamos” com um deles, um senhor idoso que falava unicamente o idioma russo, do qual absolutamente nada entendíamos. Entretanto, guardamos dele a linguagem universal do sorriso generoso de boas-vindas a seu país. Enfim, os passeios que fizemos a pé serviram para que retivéssemos em nossas memórias, para sempre, as lembranças de um povo simpático, alegre, gentil e atencioso, que naquele momento buscava por um futuro melhor.

     Afortunadamente, as trapalhadas do Cônsul não prejudicaram as nossas caminhadas pelas ruas do fascinante país.

Legendas: Foto 1 – A família imperial de Nicolau II. Foto 2 – Torre do Palácio Tsarskoe Sello na cidade de Pushkin. Foto 3 – Corredores dourados do Tsarkoe Sello.
-o-

terça-feira, 12 de julho de 2011

Visconde de Souto - Ascensão e "Quebra" no Rio de Janeiro Imperial


Arte e Memórias de Viagens

Francisco Souto Neto na Revista MARY IN FOCO nº 16 – Março 2008 (p. 46-48), de Mary Schaffer e Marco Antônio Felipak

Capa


~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

Página 46



Página 47



Página 48



Visconde de Souto – Ascensão e “Quebra” no Rio de Janeiro Imperial

Francisco Souto Neto e Lúcia Helena Souto Martini

      Desde o ano passado, em coautoria com minha prima Lúcia Helena Souto Martini, que reside no Estado de São Paulo, estou escrevendo a biografia do banqueiro António José Alves Souto, o Visconde de Souto, nosso trisavô.

       O biografado nasceu em 1813, na cidade do Porto, Portugal, e veio para o Rio de Janeiro em 1830, aos 15 anos. Cinco anos depois estabeleceu-se por conta própria, criando a casa bancária A. J. Alves Souto & Cia, conhecida como Casa Souto, precursora dos bancos privados no país. Ele foi presidente da Beneficência Portuguesa e fundador da Junta de Corretores que deu origem à Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. Fez parte da primeira diretoria da Caixa Econômica. Era Comendador da Ordem da Rosa até que, em 1862, recebeu o título de visconde, concedido pelo rei de Portugal, D. Luís I. Em sua chácara no bairro carioca de São Cristóvão, criou o primeiro jardim zoológico do Brasil, que franqueava à visitação pública. O zoo do Barão de Drummond, o segundo da História do Brasil, que é às vezes mencionado como o primeiro, seria criado só em 1888. Em 1860, na Fazenda Bela Vista, onde plantava café, o Visconde de Souto mandou construir um oratório, hoje conhecido por “Capela Mayrink”, nome do seu último proprietário. Pelo casamento dos filhos, aparentou-se com as famílias de Marquês de Olinda (regente e primeiro-ministro do Brasil Imperial), Visconde de Pirassununga, Conde de Ipanema e Euzébio de Queiroz, senador e ministro do Império.


Lúcia Helena Souto Martini e Francisco Souto Neto
na Capela Mayrink, Rio de Janeiro, em 2009.
Foto Sílvia Maria Pinheiro Grumbach.


      A Chácara do Souto, residência oficial do Visconde, confinava com a Quinta Imperial da Boa Vista. Documentos da época atestam que o Imperador frequentava a Chácara do Souto para jogar xadrez com seu anfitrião e amigo.

      Em 1864 a Casa Souto, cujo passivo equivalia à metade da dívida interna do Brasil, foi à falência, gerando a talvez maior crise da história financeira do país, conhecida como "Quebra do Souto”. A partir desse gravíssimo episódio surgiu o sistema financeiro como hoje o conhecemos, com a separação da emissão de moeda da emissão de notas à vista, ambas até então feitas pelo Banco do Brasil. Por ordem do Imperador, foi instaurada uma comissão de inquérito para apontar os culpados pela crise. A conclusão veio em 1866, inocentando o Visconde de Souto. Ele havia saldado quase todas as dívidas, às custas do seu enorme patrimônio pessoal. Reconquistou a confiança pública e continuou trabalhando como corretor de fundos até sua morte, em 1880, aos 66 anos.

Autores e livros

      Muitos escritores referem-se tanto ao Visconde de Souto como personalidade de seu tempo, quanto à “Quebra do Souto”, em livros que são marcos da Literatura Brasileira. Machado de Assis menciona-o em “Quincas Borba” e “Hoje Avental, Amanhã Luva”, Lima Barreto em “Triste Fim de Policarpo Quaresma”, Arthur de Azevedo em “Paga ou Morre!”, Liberato de Castro Carreira em “História Financeira e Orçamentária do Império do Brazil desde a sua Fundação” (edição de 1880), Adolfo Morales de los Rios Filho em “Rio de Janeiro Imperial” e em “Grandjean de Montigny e a Evolução da Arte Brasileira”, Adalberto José Pizarro Loureiro em “História da Beneficência Portuguesa do Rio de Janeiro”, Fernando Monteiro em “A Velha Rua Direita”, Antônio Gontijo de Carvalho em “Um Ministério Visto por Dentro”, Carlos Manes Bandeira em “Parque Nacional da Tijuca”, Genaro Rangel em “Semeadura e Colheita”, Carlos Marichal Salinas e Pedro Tedde em “La Formación de los Bancos Centrales en España y América Latina” (editado em Madrid em 1994), Sérgio Buarque de Holanda em “História Geral da Civilização Brasileira” e muitos outros.

      As mais importantes revistas do Século XIX, Archivo Pittoresco e Semana Illustrada, e jornais de várias épocas, fazem referências ao Comendador e Visconde de Souto. Na atualidade, encontramos na internet até mesmo textos de defesa de tese, que procuram explicar os eventos da Quebra de Souto.

A história da Caixa Econômica Federal

      Eduardo Bueno, no livro “Caixa – Uma História Brasileira”, edição de 2002, narra como o Visconde de Souto ofereceu os salões da sua mansão para que a diretoria recém-empossada da Caixa Econômica, da qual ele fazia parte, tivesse onde realizar as primeiras reuniões:

      “A Caixa Econômica tem suas dívidas para com o Comendador Alves Souto: além de ceder os aposentos de sua residência para cerca de dez reuniões do Conselho, foi ele quem providenciou a mobília da sala da Câmara dos Deputados, no prédio da Cadeia Velha (onde atualmente se ergue o Palácio Tiradentes), na Rua da Misericórdia, onde ficara decidido que a Caixa, na falta de local mais apropriado, iniciaria suas atividades”.

      Entretanto, as primeiras atas da entidade registram que a benemerência do então Comendador, depois Visconde de Souto, foi ainda mais extensa. A ata da reunião ocorrida no dia 16 de maio de 1861, conservada no Museu da CEF, em Brasília, e reproduzida no livro “Museu da Caixa Econômica Federal”, edição de 1980, registra elogios ao Comendador Souto por ter ele, altruisticamente, tomado a si a responsabilidade pela reforma da sala emprestada do prédio da Cadeia Velha, para ali instalar a primeira agência da Caixa, oferecendo recursos financeiros do seu próprio bolso e sua fiscalização pessoal na concretização das obras, vez que o dinheiro para tal não fora liberado pelo governo imperial.

O Visconde de Souto nas lembranças dos poetas Modernistas

      Os poetas Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade, no livro que escreveram em coautoria, “Rio de Janeiro em Prosa & Verso”, lançado pela José Olympio Editora no ano de 1965, preservam a memória do Visconde de Souto no capítulo sob o título “O Jardim Zoológico do Souto”, transcrevendo o seguinte, nas páginas 91 e 92:

      “A geração de hoje conhece de nome o Souto – pela notícia que tem da quebra de sua casa bancária, em 1864, arrastando em seu desmoronamento outras casas e bancos e levando a praça à grande crise comercial que tão profundamente a abalou.
      O Souto, José António Alves Souto [o prenome está invertido; o correto é António José Alves Souto], foi um negociante português que, aqui chegando menino, pelo seu trabalho assíduo e inteligente, reuniu uma fortuna considerável e alcançou um crédito ilimitado.
      Tão grande era a confiança que nele se depositava que sua casa bancária, em seu tempo, rivalizava, como carteira de depósito, com o Banco do Brasil, a mais importante instituição bancária do país.
      Depositário de uma soma avultadíssima de haveres, mergulhado em inúmeros negócios a que a sua atividade não podia atender a um tempo, a Casa Souto ruiu, ocasionando prejuízos consideráveis no comércio do país e que se traduziram num verdadeiro cataclismo de que ainda hoje se fala com pavor.
      Possuidor de grande fortuna, Souto era um espírito liberal e generoso. Tendo construído para sua habitação um belo palacete na Rua Barão de Monte Alegre [o correto é Rua do Campo Alegre, hoje Ibituruna], em meio a um grande e bem tratado parque, aí organizou um jardim zoológico, onde reuniu, à custa de muito trabalho e grandes despesas, muitas e variadas espécies dos mais interessantes animais do globo. Até um elefante existiu no jardim zoológico do Souto.
      Organizado o parque, foi ele franqueado ao público e, durante muito tempo, foi o ponto predileto de reunião e passeio dos fluminenses nos domingos.
      Sem as facilidades de locomoção que hoje existem, era a pé, pelo extenso caminho do aterrado, que os caixeiros, que recebiam dos patrões seis vinténs para se divertir nos domingos, iam passear à Chácara do Souto, o que não lhes custava nada”.

Adolfo Morales de los Rios Filho e Ruy O. R. Carvalho

      Em “Gradjean de Montigny e a Evolução da Arte Brasileira”, o escritor Adolfo Morales de los Rios Filho descreve os jardins da Chácara do Souto, numa época, a metade do século XIX, em que não eram muito habituais os jardins ornamentais em residências:

      Souto, o rico negociante e banqueiro da Rua Direita possuía uma das mais belas chácaras do Rio de Janeiro. Os jardins que ali mandara fazer, cheios de roseiras, de plantas decorativas, de arvoredo, de palmeiras e cobertos de relvado, tinham a seguir um rico pomar e uma extensa horta. Tudo cuidado com capricho e gradativamente melhorado com espécimes e exemplares vindos, também, da Europa. Os grandes haveres do conhecido homem de negócios, lhe permitiram, outrossim, criar uma valiosa coleção zoológica, em que se destacavam raros exemplares de animais do Brasil. Pode-se dizer que foi o primeiro jardim zoológico aqui estabelecido”.

      No livro “Bolsa de Valores do Rio de Janeiro – 150 anos – A História de um Mercado” (1995), o autor Ruy O. R. Carvalho publicou o retrato a óleo do Visconde de Souto, que se encontra na Beneficência Portuguesa do Rio de Janeiro, escrevendo:

      “Retratado por Antônio Rodrigues Duarte, o Corretor António José Alves Souto, fundador da Junta de Corretores e Visconde de Souto por decreto do Rei de Portugal de 1862, foi o protagonista central da mais grave crise econômica do Império. A falência de sua casa bancária, com perto de 10.000 credores e passivo de 6.350.000 libras, equivalente à metade da dívida pública interna da época, foi um terremoto econômico que abalou seriamente a praça do Rio de Janeiro”.

      O chiste sobre a Quebra do Souto, encontrado em jornais e revistas da época, dizia que a Casa Souto ruíra com tamanha repercussão que por todo o Império até os papagaios não paravam de gritar e repetir: “O Souto quebrou! O Souto quebrou!”...

A elaboração do livro

      Ao escrever Visconde de Souto – Ascensão e “Quebra” no Rio de Janeiro Imperial, decidimos manter incólume a linha da realidade. Tudo o que estamos relatando tem base documental. E esta não vem apenas de livros, como os que acabamos de mencionar. Vem, sobretudo, de documentos que estão arquivados em instituições como: Arquivo Nacional, Biblioteca Nacional, Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro, Cúria Metropolitana, IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, IHGB – Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e outros.

     Prefaciado por Dalmiro da Motta Buys de Barros, ex-presidente do Colégio Brasileiro de Genealogia, o livro não terá por objetivo apenas resgatar a figura do Visconde de Souto, que foi também um mecenas a seu tempo. Será um guia para melhor entender a economia brasileira da metade do Século XIX, explicando o mecanismo que fez nascer as primeiras casas bancárias no Brasil. Num apêndice, o livro fará referências à depredação do Cemitério do Catumbi, onde estão sepultados os grandes vultos do Império, que teve grandes repercussões também no Paraná na década de 1980.

      A obra deverá ser publicada com recursos da Lei Rouanet, de modo que não será uma edição comercial. Além da cota que caberá aos patrocinadores, que ainda não temos, o livro será distribuído gratuitamente a universidades, bibliotecas e pesquisadores de todo o país e alguns no Exterior.

Legendas: Foto 1 – Visconde de Souto, OST de A. R. Duarte, 1890. Acervo da Beneficência Portuguesa – Rio de Janeiro. Foto por gentileza de Ney O. R. Carvalho. Foto 2 – Ata de reunião da Caixa Econômica datada de 15.5.1861 (Museu da CEF, Brasília). Foto 3 – O autor Francisco Souto Neto. Foto 4 – A autora Lúcia Helena Souto Martini.

-o-

ADENDO EM 2015


No dia 9 de agosto de 2015 foi outorgado a Francisco Souto Neto, pela Associação Brasileira de Liderança (São Paulo) o título de Comendador, através de comenda (medalha) seguida do Prêmio Excelência e Qualidade Brasil 2015, na categoria “Cultura”, como “Destaque entre os melhores do Brasil” (vide fotos abaixos). Levaram em consideração o prêmio “Troféu Imprensa do Brasil 2014” que Francisco Souto Neto recebeu no ano passado, também o fato de ser membro da Academia de Letras José de Alencar, somados ao sucesso da biografia do Visconde de Souto (que embora ainda inédita, já recebeu a atenção do The History Channel que em 2013 entrevistou F. Souto Neto e sua prima Lúcia Helena Souto Martini no programa“Detetives da História”, teve trechos publicados na Revista do IHGB  e na Revista do IHGRJ, que estão na internet) e que deverá ser publicada pela Editora Trento, de Ricardo Trento, presidente da Unicultura de Curitiba. Mas o motivo principal da honraria provavelmente deve-se aos mais de 3.000 textos em jornais e revistas, dentre os quais a coluna Expressão & Arte que foi publicada durante onze anos e teve extensão simultânea em dois outros jornais e uma revista, também as crônicas publicadas desde 2007 e as memórias de viagens nos jornais publicadas no Jornal Água Verde, Folha do Batel e Jornal Centro Cívico.


Comendador Francisco Souto Neto


Detalhe da comenda de Francisco Souto Neto


O Comendador FRANCISCO SOUTO NETO usando sua comenda, com o chihuahua Paco Ramirez. Nas duas telas acima do piano, os seus pais: Edith Barbosa Souto (1911-1997) segurando o chihuahua Quincas Little Poncho (1973-1990), e o jornalista Arary Souto (1908-1963).  

-o-

ADENDO EM 4 DE OUTUBRO DE 2017:

O meu artigo na revista MARY IN FOCO foi publicado há quase dez anos, em março de 2008. Longo e penoso foi o caminho que eu e minha coautora trilhamos para que a biografia do Visconde de Souto se tornasse realidade, o que aconteceu graças à EDITORA PRISMAS de Curitiba.

A nossa noite de autógrafos realizou-se no dia 12 do mês p.passado no Palacete dos Leões (Espaço Cultural BRDE). No meu artigo que poderá ser lido no link abaixo,  faço um breve relato de como foi a história que culminou com o lançamento do livro, e podem ser vistas as fotografias dos amigos que estiveram presentes ao evento: 

-o-

Contrastes da moda: gravata, Amsterdã e outras histórias

Arte e Memórias de Viagens

Francisco Souto Neto na Revista MARY IN FOCO nº 15 – Fevereiro 2008 (p. 64-65), de Mary Schaffer e Marco Antônio Felipak

Capa



~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

Página 64



Página 65




CONTRASTES DA MODA: GRAVATA, AMSTERDÃ E OUTRAS HISTÓRIAS

Francisco Souto Neto (*)

     Eu era muito jovem, mas lembro-me claramente de que para se ingressar em alguns dos melhores cinemas de São Paulo, exigia-se aos homens o uso de gravata. Isso acontecia lá pelo começo dos anos 60. Naquela época, esse acessório da indumentária masculina era habitual a todas as faixas etárias. E não havia nisso nenhuma espécie de sacrifício, porque os jovens usavam gravata com a mesma naturalidade com que hoje calçam tênis.

     Depois, em função de meu trabalho e profissão, usei gravata até aposentar-me em 1991. Foi naquele ano que, ao viajar para a Europa, pela última vez usei gravata durante um vôo transatlântico. Nos espaços cada vez mais exíguos da classe econômica dos aviões, aquele laço no pescoço pareceu-me incômodo, situação que piorou quando cheguei a Roma sob um calor de 35 graus centígrados.

     Mudava o mundo radicalmente. Mudei eu, adaptando-me aos novos tempos. No ano seguinte, ao embarcar para Londres, eu trajava um confortável “agasalho” esportivo que, de tal modo agradável, eu me senti à noite tão à vontade como se estivesse usando pijamas.

     Mas, é claro, a gravata convencional não caiu no desuso, apesar de que, atualmente, se admita aos cavalheiros até mesmo camiseta sem colarinho ao vestir um traje a rigor.

     Bruxelas é a capital da Bélgica e também da Europa, porque é sede da União Européia. Ali é comum o uso da gravata-borboleta. Na Grand Place, lugar mais central daquela cidade, há duas lojas que vendem exclusivamente gravata-borboleta. E alguns homens usam-na a qualquer hora, mesmo durante o dia, até ao sentar-se à mesa duma sorveteria, ao ar livre, acompanhado ou sozinho, para saborear a refrescante iguaria.

     Se algumas cidades europeias podem ser muito conservadoras, outras são extremamente liberais. E parece-me não haver outra mais liberal do que Amsterdã. É óbvio que na Holanda se usa gravata em ocasiões solenes, no exercício de determinadas funções e mesmo socialmente, mas isso parece ser a exceção.

     Amsterdã é uma das cidades mais interessantes do mundo, pela arquitetura e pelos canais. Os holandeses, sobretudo os de Amsterdã, sempre surpreenderam a todos pelo seu liberalismo. Por exemplo, o Bairro da Luz Vermelha é, há décadas, um lugar onde as prostitutas mostram-se nas enormes vitrines que existem na fachada das suas casas, exibindo aos potenciais clientes, através do vidro, os seus atributos físicos.  O bairro é atração turística e não há ninguém, do jovem mais afoito à velha senhora mais respeitável, que recuse um passeio pelo local, de preferência em visitas guiadas.

     A cidade é liberal também no tocante às drogas: nas floriculturas, a maconha é vendida legalmente, em embalagem idêntica àquela que contém sementes de flores.

     Quanto à indumentária, aí está o grande paradoxo de Amsterdã durante os meses abafados do Verão europeu. As pessoas usam qualquer tipo de roupa, quando e na hora que quiserem. Ou usam quase nada, mesmo nas vias públicas. Explicando melhor: naquela capital, hospedo-me sempre no De Roode Leeuw Hotel, localizado quase na esquina da Damrak com a praça Dam. Damrak é a mais importante avenida de Amsterdã, que liga numa linha reta a estação ferroviária à praça Dam, onde está o antigo Palácio Real. Numa das ocasiões em que lá estive, ao sair do hotel levei um susto: um rapaz que vinha deslizando em patins pela avenida, usava apenas um tapa-sexo. Ao passar, vi que ele ostentava um “fio-dental” que o deixava com o traseiro inteiramente à mostra.  Aparentemente, não estava acontecendo nenhum escândalo, porque em Amsterdã isso não é considerado “atentado ao pudor” e nem por isso a polícia iria importunar o atrevido jovem, ou interrompê-lo no seu desassombrado passeio.

     Ao comentar com alguém aquele episódio, ouvi que a situação poderia me parecer diferente na região de Rembrandtsplein, uma praça nas cercanias de importantes museus, área que, sob certos aspectos, seria parecida com uma passarela da moda. Como no dia seguinte eu deveria atravessar aquela praça ao me dirigir a pé a um dos museus, aproveitei para observar o local.

     Realmente, o lugar é fascinante. Os bares estendem suas mesas até aos limites da larga calçada. E as pessoas sentam-se ao ar livre, pedem um café ou qualquer outra bebida e ficam a apreciar as pessoas que por ali transitam.

Francisco Souto Neto passeando em Rembrandtsplein.

     Por aquele lugar passam pessoas de todos os tipos, muito mal ou muito bem trajadas, cuja calçada funciona como se fosse uma passarela natural para quem quer ser visto, sejam mulheres ou homens. Jocosamente, apelidei o lugar de “calçada da fama”. Por brincadeira, experimentei “desfilar” e depois sentei-me para observar o movimento incessante do ir-e-vir da massa humana.

     Homem usando gravata, nenhum! A elegância de alguns casais evidenciava-se mais pelos trajes esportivos dos homens e pelos vestidos vaporosos e saltos altos das belas mulheres. Mas o que realmente salta aos olhos em Rembrandtsplein, é a diversidade da indumentária dos transeuntes que “desfilam” pela “calçada da fama”.

     Por outro lado, há algo notável em Amsterdã: não é exatamente nas roupas que mais se percebe a elegância dos holandeses e dos europeus de um modo geral. Saltos altíssimos e vestidos de grifes famosas para as mulheres, gravatas ou nenhuma gravata para os homens, talvez não importem tanto para causar boa impressão. É possível que para eles a elegância esteja mais centrada na mostra da boa educação daqueles que, invariavelmente, sabem pedir licença para cruzar a sua frente – para mencionar um só exemplo.

     Minhas opiniões a respeito de moda e indumentária, entretanto, são as de um leigo, de alguém que observa os acontecimentos talvez grosseiramente, sem compreendê-los em essência, valendo-se apenas de um senso muito pessoal de estética. De qualquer modo, forçoso é reconhecer, a moda e o vestuário são os instrumentos através dos quais a Humanidade evolui desde o princípio da História conhecida.   

(*) Francisco Souto Neto, o autor, é advogado, jornalista e crítico de arte.
  

Legendas: Foto 1 – Francisco Souto Neto andando pela “calçada da fama” em Rembrandtsplein. Foto 2 – Gravata-borboleta em Bruxelas. Foto 3 – Casario de Amsterdã.