domingo, 4 de dezembro de 2011

Livro A HISTÓRIA DO MOVIMENTO CINECLUBISTA PARANAENSE.

Livro A HISTÓRIA DO MOVIMENTO CINECLUBISTA PARANAENSE

José Gil de Almeida
Prefácio: Francisco Souto Neto
Edição 2008 (Curitiba, PR)

Capa

Capa

Abertura

Página 3:  Abertura

Prefácio

Francisco Souto Neto, autor do prefácio.
Página 5:  Prefácio.


Página 6:  Prefácio.


Página 7:  Prefácio.


Página 8: Prefácio.

   Prefácio

   A leitura de “A história do Movimento Cineclubista Paranaense”, de José Gil de Almeida, é um passeio, às vezes surpreendente e dramático, outras vezes hilariante, através do passado recente de pessoas que moveram o universo cinematográfico paranaense para o lado da originalidade e da ousadia, num tempo em que imperava neste país a censura, instrumento da ditadura e da repressão para impedir o avanço do pensamento e da liberdade de expressão.

   Embora eu nunca tenha participado ativamente no Movimento Cineclubista, jamais estive alheio às dificuldades enfrentadas pelos cineclubistas nos seus movimentos contra a censura oficial e a favor dum cinema mais verdadeiro, reflexivo e social. Muito do que estava acontecendo, eu sabia através do meu muito bem informado amigo José Gil, autor deste livro. Ele, a propósito, um dos mais atuantes cineclubistas do país, foi presidente do Cineclube de Maringá de 1981 a 1984, Coordenador Estadual da Federação Paranaense de Cineclubes de 1985 a 1990, tendo em 1986 ocupado, simultaneamente, a presidência do Conselho Nacional de Cineclubes.

   As novas gerações não imaginam o que representou a censura para o cinema e, por extensão, a todos os segmentos da cultura: literatura, teatro, música. A própria imprensa estava amordaçada pelo rígido controle do governo central. Isto me fez lembrar de um curioso episódio que poderá elucidar, bem claramente, como a censura agia em cada país conforme a visão muito pessoal dos seus respectivos governos e que, além de autoritária e castradora, era extremamente burra! Vou me referir especificamente ao filme “Roma de Fellini”, uma obra-prima da cinematografia, ganhadora de muitos prêmios e hoje um dos ícones do cinema de arte.
  
   Roma de Fellini

   Quando o filme passou nas telas brasileiras, fui assistir. Eu tinha conhecimento de que havia um trecho censurado, mas era impossível saber que assunto ou que cenas tinham sido sonegadas ao espectador brasileiro. Logo depois disso, fiz um passeio a Buenos Aires em companhia de um amigo, Rubens Faria Gonçalves. Lá, na capital portenha, vimos que o filme “Roma de Fellini” estava em cartaz. E entramos no cinema, na esperança de assistir ao filme completo. Em certo momento da projeção, durante o sono e sonho de uma personagem, inicia-se um desfile de modas no Vaticano. Surgem, na passarela, noviças com hábitos de cetim negro, seguidas de outras freiras que desfilam com seus chapéus cujas abas, ao compasso da música de Nino Rota, movem-se como asas de gaivotas. Sacristãos mostram trajes cheios de rendas e festivos modelos de batinas. Depois, aparecem bispos e cardeais usando adornos eclesiásticos com espelhos, ouro e plumas, e com iluminação própria. Para encerrar o desfile, desce sobre a passarela um gigantesco portal de ouro e então surge o próprio papa – o ator era um sósia de Paulo VI, o papa então reinante – envolto em tamanho esplendor que ofusca a platéia em delírio...

   A sequência do desfile é o ponto mais engraçado e, ao mesmo tempo, estranhamente belo, do filme. Como a Igreja Católica era muito forte no Brasil, exigiu ao governo que a suprimisse totalmente, vetando, deste modo, o direito do espectador a conhecer a obra completa do genial diretor italiano.

   Mas então percebemos que ali no cinema de Buenos Aires, o que faltava era uma outra sequência inteira do filme que tínhamos visto no Brasil: a dos homens que, durante a II Guerra Mundial, dirigem-se ao prostíbulo de Roma, onde estão se expondo as prostitutas quase sempre feias e bizarras de rosto, bem à maneira que o diretor Fellini faz em praticamente todos os filmes, para que o espectador se divirta sobretudo em observar as “máscaras” humanas. Só algumas das prostitutas mostram os seios, mas jamais aparece qualquer nudez abaixo da cintura. Hoje, se o filme voltar aos cinemas, certamente não escandalizará nem mesmo a adolescentes. Ocorre que, naquela época, a prostituição era proibida na Argentina, e por este motivo o governo de lá censurou todo aquele trecho do filme, e manteve intacta a parte do desfile do Vaticano, simplesmente porque, naquele país, a Igreja não era tão forte e, para os censores argentinos, qualquer referência à prostituição era o que arrepiava de horror.

   Então, no Brasil a censura cortou o trecho do desfile no Vaticano. Na Argentina, o corte ocorreu no divertido capítulo das prostitutas. Para ver como o que era mau ou bom para a censura dum país, não era o mesmo para a censura do outro... Em ambos os casos, saiu perdendo a cultura de ambos os países, e os cinéfilos em especial.
  
   Je Vous Salut Marie

  José Gil, ao longo de todo o livro, demonstra bem claramente a sua luta e a dos cineclubistas contra a censura. E, com meu amigo disposto a divulgar no Brasil as obras na íntegra, apesar da proibição do governo, certa ocasião vivenciei com ele e com outros amigos um interessante episódio. Ocorreu o seguinte:

   O filme “Je Vous Salut Marie”, de Jean-Luc Goddard, premiado e elogiado diretor francês, estava causando polêmica em todo o mundo e teve sua exibição proibida no Brasil por pressão da Igreja Católica. Era o mês de maio de 1986. José Gil, na ocasião assessor parlamentar, obteve uma cópia em VHS do filme proibido e me sugeriu que o exibíssemos a um grupo de cinéfilos e intelectuais. Achando ótima a idéia de realizarmos uma “desobediência civil”, ofereci a espaçosa sala do meu apartamento para o evento e convidei um pequeno grupo de amigos. Estiveram presentes, além da minha mãe Edith Barbosa Souto que a todos recebeu com um gostoso cafezinho e alguns petiscos, os seguintes: o referido José Gil, então o mais atuante cineclubista do Paraná; a professora de Literatura Francesa Maria da Graça (Graci) Trény; Marilene Martins dos Santos, que era a assessora do então prefeito Roberto Requião; o psicólogo, educador, artista plástico e cinéfilo Rubens Faria Gonçalves; Aramis Millarch (cinéfilo, autor da coluna diária Tablóide, do jornal O Estado do Paraná, o mais importante animador cultural do Estado) e sua esposa Marilene Millarch (que logo depois veio a ser a diretoria da Biblioteca Pública do Paraná); o professor Robert Jan Bowles e sua esposa Regina Romano Bowles, também professora, ambos intelectuais, e alguns outros. Jaime Lerner, naquele ano sem cargo político, grande cinéfilo, foi convidado mas não compareceu.

   Vale abrir parênteses para lembrar que eu era grande admirador do então ex-prefeito, pelo belo trabalho que ele realizara em prol da capital do Paraná, e até tínhamos algumas fotografias, juntos, tiradas em diferentes eventos e publicadas pela imprensa local. Só muitos anos depois me decepcionei com Lerner, quando ele, então governador, colocou homens da sua confiança na diretoria do Banestado, o banco oficial do Paraná, que num escandaloso episódio de roubos e corrupção, levou a grande instituição à bancarrota. Minha aversão pelo político se multiplicou quando, contrariando suas próprias declarações de campanha política de que não venderia o banco, quando eleito vendeu-o e por preço vil ao Banco Itaú, episódio transformado em grande escândalo nacional, que acabou com seus planos de chegar à presidência da república, corroendo-lhe a confiança do povo e comprometendo o seu próprio futuro político.

   Voltando a “Je Vous Salut Marie”, ambientando a história bíblica no mundo atual, o filme mostrava Maria como uma jovem estudante que jogava basquete e trabalhava na empresa do seu pai. José era motorista de táxi. E o anjo Gabriel, um amigo que procurava convencer José a aceitar a gravidez de Maria. Nada de extraordinário, uma película que a censura imposta pela Igreja Católica nos países onde tinha influência, fez o tiro sair pela culatra, tornando o filme um sucesso ao qual todos queriam assistir.

    Naquela noite, fizemos duas sessões. Aramis Millarch estava exultante por termos praticado a “desobediência civil”. E José Gil cumpria o seu papel cineclubista de divulgar obras cinematográficas, de arte ou não, mas que representassem liberdade de expressão, em resposta à censura que desejava calar, cegar e tornar surdos a todos os brasileiros.

   É nas páginas seguintes que o autor rememora fatos que merecem, realmente, registro histórico e que muito contribuíram para que os políticos, pressionados, fossem a pouco e pouco reconduzindo o Brasil à democratização que todos nós tanto aspirávamos.

Francisco Souto Neto
Advogado, Jornalista, Crítico de Arte

OBSERVAÇÃO INSERIDA NESTE BLOG EM 6.12.2011:

No capítulo “Inauguração da sede”, na página 48, José Gil relaciona alguns dos presentes ao coquetel (eu estava entre eles) e o episódio das taças de vinho com sangue escorrendo. Refere-se também ao fim da Galeria Schaffer, que era um dos pontos de encontro mais importantes do mundo cultural curitibano, além de sediar um cinema de arte da Fundação Cultural de Curitiba.
Curitiba, 6 de dezembro de 2011.
Francisco Souto Neto


1987 – Inauguração da sede

Página 48


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Página 50


1987 – Inauguração da sede da Federação Paranaense de Cineclubes.

     A Federação Paranaense de Cineclubes foi, com certeza, a segunda ou terceira federação de cineclubes no Brasil a contar com sede. Através do apoio do então Secretário Municipal de Cultura e presidente da Fundação Cultural de Curitiba, Carlos Frederico Marés de Souza Filho, foi alugada (com valor simbólico) uma sala para os cineclubistas na Galeria Schaffer, em plena Rua XV de Novembro. O local servia de ponto de encontro dos cineclubistas e de exposição permanente de fotografias e cartazes de cinema – a parede era de vidro transparente. A Galeria era importante referência cultural, até ser fechada pelo corrupto governo de Jaime Lerner.
     O coquetel de inauguração foi realizado no dia 12 de junho de 1987 com a presença do então Secretário Municipal de Cultura e presidente da Fundação Cultural de Curitiba, Carlos Marés; Francisco Alves dos Santos, cineasta e diretor da Cinemateca de Curitiba; o Cônsul Geral da Polônia; o diretor do Museu da Imagem e do Som, Francisco Bettega; Francisco Souto Neto, assessor da diretoria do Banestado; Chádia Regina Al Masri, da Associação Sanaúd; Ozualdo Candeias, cineasta paulista; cineastas paranaenses Werner e Wully Schulmann, Palito e Altenir Silva; Paulão, ator; Cido, Geraldo, Hélio e Miriam da Cinemateca; jornalista Ruy Barrozo; Gil Vicente, representante da Federação de Cineclubes do Rio de Janeiro; Paulo Stocker, da Comissão de Cineclubes de Santa Catarina; Cássio Pirkel do Cineclube de Foz do Iguaçu; José Lanes Marques do Cineclube de Goioerê; Ladir Galli do Cineclube de Medianeira; Paulo Granero do Cineclube do DANC; Anete Kowalski do Cineclube de Cascavel; José Gil do Cineclube de Maringá; Carvalho do Cineclube dos Funcionários da Assembleia Legislativa; Edson Vulcanis do Cineclube Sindicato do Delírio da UFPR; Alberto César, artista plástico e cineclubista de Maqringá; Vádis do Cineclube de Medianeira; Antônio Carlos da Conceição Marques do Cineclube de Goioerê.
     O coquetel corria animado ao som de Carmina Burana de Carl Orff, até que alguns convidados estranharam as taças de vinho com sangue escorrendo. Descobriram que um dos punks que estava servindo as bebidas estava tão drogado que não percebeu um corte na mão ao abrir uma garrafa de  vinho, e assim todos os copos que ele servia vinham com algumas gotas de sangue humano escorrendo pela taça. O improvisado garçom foi substituído e a festa continuou.
     Uma das músicas mais tocadas pelos cineclubistas da época era a canção de Marco Mueller, tocada pela Banda Replicantes, “Saudade da minha garota”:

Sábado todo
Eu chorei de mágoas
Minha garota
Foi pra Manágua
Lutar na Revolução.

Todo mundo vai embora
Todo mundo tem sua hora

Ela me deixou
Me trocou por um sandinista
Especialista em granada
De mão...

     A Galeria Schaffer, em plena Rua XV de Novembro, sempre foi um local de valorização cultural da cidade, abrigando entidades culturais de defesa da cidadania. Na administração de Maurício Fruet e Roberto Requião, o espaço era democrático e estava a serviço da comunidade, por esse motivo o então presidente da Fundação Cultural de Curitiba e Secretário Municipal de Cultura, Carlos Frederico Marés de Souza Filho, decidiu atender a reivindicação dos cineclubistas e ceder uma sala para a sede da Federação Paranaense de Cineclubes. O local serviu para manifestações culturais importantes como exposição de artes plásticas, palestras e debates sobre cinema e cineclubismo.
     Alguns anos depois, na administração Jaime Lerner, a Galeria Schaffer foi entregue à iniciativa privada e os movimentos culturais que se abrigavam naquele local foram desalojados. A tradicional Galeria Schaffer, de glorioso passado na vida cultural da cidade, foi transformada em shopping center decadente.


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