sexta-feira, 25 de novembro de 2011

REFLEXÕES SOBRE O IMPÉRIO DOS INCAS por Francisco Souto Neto


Livro MINERVA nº 2 - Revista da Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Ponta Grossa.
Francisco Souto Neto e outros 30 autores (*)
Edição: Papelaria Requião Ltda.
Edição 1968 (Ponta Grossa, PR)
Organizador: Robert Karel Bowles


Reflexões sobre o Império dos Incas
Francisco Souto Neto

Capa de Minerva nº 2, de 1968.

Página 1, com os créditos de Minerva nº 2.

(*) Índice na página 199, com
os nomes dos participantes.

(*) Índice na página 200, com
os nomes dos participantes.

Reflexões sobre o Império dos Incas
Francisco Souto Neto

Página 189

Transcrição completa da página 189:

Reflexões sobre o Império dos Incas

Francisco Souto Neto (3º ano da Faculdade de Direito)

            A Europa é citada, quase sempre, como a fonte donde nasceu a intelectualidade, a Arte e a Ciência. É um conceito que não deixa de ser verdadeiro, principalmente se para comprová-lo, evocarmos os nomes de Sócrates, Galileu, Leonardo da Vinci, Michelangelo e outros.
            Contudo, na América pré-colombiana – por alguns chamada “primitiva” – houve civilizações que atingiram a graus de conhecimento por vezes mais elevados e perfeitos do que a europeia, no que se refere à astronomia, à engenharia, às formas de governo e à própria Medicina. Notáveis foram as culturas asteca e maia, porém nenhuma me impressionou tanto quanto a incaica.
            Levado pelo fascínio e interesse que me desperta o Império Sagrado dos Incas, empreendi viagem através dos Andes, em busca de vestígios arqueológicos da magnífica civilização desaparecida. Enquanto eu pesquisava em novos países, era atraído, num crescendo, pelos aspectos contemporâneos dos mesmos, pelos estranhos costumes de seus povos, pela eterna tristeza dos índios. E disso resultaram observações curiosas e pitorescas, não menos interessantes do que a História contada pelas milenares muralhas incaicas.

A CORDILHEIRA DOS ANDES
            Através da janela do avião, eu observava a maior cadeia montanhosa do mundo, cuja extensão equivale a quase um quinto do diâmetro total da Terra. As ameaçadoras crateras dos vulcões e os cumes das gigantescas montanhas, algumas com quase sete mil metros de altitude, são cingidas de neves eternas dum azul pálido, em contraponto com o céu anilado. Ora as montanhas são envoltas em algodões de nuvens, ora deixam mostrar vales férteis em seus sopés, ou rios que serpenteiam entre elas.
            La Paz, a mais alta capital do mundo, no coração da Cordilheira, serviu-se de introdução ao Império dos Incas: entrei em contato com os índios Aimarás e Quíchuas do altiplano andino, aprendi a mascar folhas de coca, visitei museus de antropologia, de arqueologia, e ruínas de civilizações pré-incaicas, como as de Tiahuanácu, de dez mil anos, próximas ao Lago Titicaca, consideradas por alguns estudiosos como o local da origem do homem americano, e por outros, mais ousados, como o berço de toda a Humanidade.
            Após uma semana de permanência em solo boliviano, embarquei com destino a Cuzco, a mais interessante e misteriosa cidade do Peru.

Página 190

Transcrição completa da página 190:

CUZCO, UMBIGO DO MUNDO
            A Venerável Cidade de Cuzco, cognominada “Capital Arqueológica das Américas”, era a residência dos soberanos e capital do vastíssimo Império Incaico que abrangia o sul da Colômbia, Equador, Bolívia, partes do Acre e Rondônia, Peru, norte da Argentina e Chile, onde viviam mais de 20 milhões de pessoas. “Cuzco” significa “umbigo”, ou seja, “umbigo do mundo”, pois era, dada a sua grandiosidade, o centro do mundo incaico e do Universo. Quando foi descoberta pelos espanhóis em 1533, a capital tinha mais de 300 mil habitantes, sendo mais populosa que a maior cidade europeia da época, Veneza.
            A cidade, hoje com apenas 80 mil habitantes, onde o tempo parece ter deixado de existir, é somente a sombra do seu passado. E justamente por este motivo, tudo fascina ao visitante: pelas ruelas, os índios carregam pesados fardos nas costas, sustentados por cordas presas ao peito. Transportam legumes, estrume que será vendido como adubo, sacos de vegetais, feixes de lenha, carne seca. As mulheres são fortes e gordas, com traços mongolóides, cuja indumentária é notável: usam oito ou dez saias simultaneamente, de cores vistosas.
            Há em Cuzco, na verdade, quatro cidades sobrepostas: a pré-incaica, a incaica, a espanhola e a peruana contemporânea. Predominam as construções espanholas, erguidas sobre altos muros incaicos. No que concerne às edificações espanholas, são magníficas as igrejas que deleitam aos amantes da arte barroca.

ARTE SACRA, VAN DYCK, RUBENS E MICHELANGELO
             A construção da catedral de Cuzco, em granito, foi iniciada em 1560 e concluída em 1668. Mesclou-se o estilo romano com arte inca primitiva. A fachada é chata e não ornamentada; no centro, há motivos barrocos esculpidos, mas a decoração dos portais é do estilo severo da Renascença espanhola. Por dentro é um grande quadrilátero e contei doze altares, mais a nave principal. O templo é majestoso. Quadros da Escola de Cuzco ornam as paredes. O fundo azul, com flores douradas e prateadas, sobre o qual estão as imagens dos santos, é de um aspecto tocante! A ornamentação do altar é toda feita com metais raros. Artistas trabalharam na abóbada durante um século. A luz do sol penetrando em raios furtivos, toca o ouro e a prata. Num dos altares do lado direito de quem entra, há um Cristo de cedro, enegrecido pelo tempo. É considerado milagroso desde que, segundo os cuzquenhos, teria feito cessar o terremoto de 1650. A propósito, a catedral foi muito danificada pelo último terremoto de 21 de maio de 1950. Sua restauração foi possível graças ao auxílio financeiro da Espanha.
            Movido não somente pela falta de pessoas com quem conversar – porque sempre viajo só – mas também porque acredito que sem contatos humanos a mais bela das viagens seria demasiado árida, fiz muitas amizades na Bolívia, principalmente com turistas. E como parece que todos os caminhos convergem para Cuzco, encontrei-me algumas vezes, casualmente, nos pontos turísticos da cidade, com aqueles amigos. No interior da catedral, por exemplo, estava a estudante americana Miss Melinda Mills, em companhia da sua irmã e do cunhado, a quem eu havia conhecido em Santa Cruz de la Sierra, e também um genovês, Enrico Raffaele Longo, que conheci em La Paz. Formamos, então, um inseparável grupo enquanto permaneci na capital incaica.

Página 191

Transcrição parcial da página 191:

            Após breve momento de surpresa pelo reencontro, rumamos à sacristia da catedral, onde haveria, segundo constava nos meus prospectos, uma tela de Van Dyck. Fomos recebidos por um padre que nos mostrou a famosa pintura, protegida por barras de ferro. A sacristia é um verdadeiro museu de arte: os móveis são em estilo barroco, magnificamente trabalhados, e as paredes, até ao teto, cobrem-se de quadros a óleo e afrescos. O padre observava a nossa estupefação: olhou-nos de soslaio, ensaiou o seu melhor sorriso, estufou o peito e apontou para outra tela, exclamando: “Este é um Rubens. E aquele, um Michelangelo”. Entreolhamo-nos perplexos e duvidamos da autenticidade dos dois últimos quadros. Mas quem, de nós, poderia julgá-los? E, afinal, serão autênticas todas as obras do Louvre? E todas as obras do Museu de Arte de São Paulo? Aceitá-los como verdadeiros foi mais viável, para não quebrar o encantamento. E saímos do templo com as mentes impregnadas de arte.

ESTRADAS E RUÍNAS INCAICAS

            Em uma excursão de táxi aos arredores de Cuzco, em companhia dos amigos norte-americanos e do genovês, pude constatar a grandiosidade dos caminhos incas e tive a rara sorte de transpor uma ponte edificada no mesmo período.
            Existia excelente sistema de correio por essas vias. As comunicações importantes chegavam de Quito (Equador) ou de Valparaíso (Chile) a Cuzco em apenas seis dias. Era mais eficiente do que o correio instalado posteriormente pelos espanhóis e melhor, mesmo, que o atual correio brasileiro.
            A primeira ruína visitada foi o forte de Puca-Pucara. É o único construído com pedras pequenas e guarnecia um caminho inca. Por ali passou Pizarro, o conquistador!
            Pouco distante de Puca-Pucara, está a única fonte incaica que ainda jorra água: Tambomachay. Há uma lenda que diz que quem dela beber, terá muitos filhos.
Sacsayhuamán é uma enorme fortaleza construída no alto da montanha que domina Cuzco. Sua fachada tem 800 metros de comprimento. Mas a muralha exterior, incluídas sobras e vanguardeiras, estende-se por mais de três quilômetros. As pedras usadas em sua construção têm altura de seis metros na base, diminuindo gradativamente de tamanho, até ao quarto andar do edifício.


Página 192

Transcrição completa da página 192:

Vista parcial da Fortaleza de Sacsayhuamán (Cuzco, Peru).
Foto Francisco Souto Neto.

Garcilaso de da Veja, escritor do século XVI, conta em sua obra “Comentários Reales”, que as pedras internas da fortaleza eram cobertas de ouro e prata e adornadas de baixos-relevos que representavam plantas e animais. E conclui que Sacsayhuamán supera as sete maravilhas do mundo dos Antigos.
Magnífica e quase inconcebível é a engenharia dos Incas: as pedras dos edifícios têm muitos ângulos para encaixes e são sobrepostas sem argamassa. Os incas não conheciam o ferro e, no entanto, descobriram uma técnica que lhes possibilitou trabalhar as pedras com maestria: perfeitamente lisas e justapostas, entre uma e outra não há espaço para se introduzir sequer uma lâmina. Pergunta-se: de onde eles trouxeram as pedras? Num raio de dezenas de quilômetros não há pedras daquela natureza. E como puderam transportá-las para o alto das montanhas, sem conhecer a roda, nem a roldana? São perguntas que nunca terão resposta: as construções dos incas lá estão e a sua engenharia continuará a desafiar os milênios e a lógica moderna.

A CIDADE SAGRADA DE MACHU PICCHU
Na época da conquista, os espanhóis ouviram falar a respeito de uma Cidade Sagrada, mas nunca a descobriram. Passaram-se os séculos. Em 1911, Hiram Bingham, professor da Universidade de Yale, organizou uma expedição com o fim de descobrir a sepultura do último Inca. Não a encontrou mas, em compensação, fez uma descoberta arqueológica importantíssima. Tendo ele ouvido os nativos falaram a respeito de ruínas “do outro lado das montanhas”, e ciente da existência de uma lenda a respeito de fabulosa cidade perdida, tão extraordinária quanto à de Eldorado, o arqueólogo não teve dúvidas: aventurou-se pela parte mais perigosa dos Andes, montado em burrico. Diz ele no livro “A Cidade Perdida dos Incas”: “Aqueles picos coroados de neves, tentaram-me. Sentia uma compulsão a dizer-me: Vai e olha atrás da crista dos montes... Alguma coisa perdida atrás da crista dos montes... Perdida e à tua espera! Vai!”. E o que Bingham viu, a revista Seleções do Reader’s Digest classifica como “um espetáculo hoje comparável, em magnitude, às Pirâmides do Egito e ao Grand Canyon juntos”.


Página 193

Transcrição completa da página 193:

            Atualmente faz-se a viagem a Machu Picchu em modernos trens. A ferrovia parte de Cuzco. Em duas horas eleva-se a quase 4000 metros para depois, 1800 metros abaixo, mergulhar na garganta sombria que imobilizou os homens de Pizarro. Viaja-se então pelo vale sagrado do Rio Urubamba até chega-se a um penhasco final, com 700 metros de altura, onde deixa-se o trem e parte-se de camioneta por uma estrada de 8 quilômetros, perigosíssima, cheia de curvas fechadas. O motorista vai cantando para desviar a atenção dos turistas dos precipícios. A estrada termina no Hotel de las Ruínas, construído ao lado da Cidade Sagrada. Lá chegando, encontrei-me casualmente com amigos: o casal Dr. Ronald Lehman e sua esposa Mrs. Susan Lehman, que eu conhecera no Lago Titicaca.
Os Filhos do Sol pretenderam construir uma cidade no topo do mundo... e o conseguiram. A primeira impressão que se tem de Machu Pucchu, com sua grama muito verde semeada de flores vermelhas, e dos edifícios que se alinham pelo flanco da montanha, é de enorme encantamento.
Machu Picchu não está em ruínas. Ela é toda uma cidade intacta, à qual faltam somente os habitantes.O grande número de casas e a imponência dos palácios indicam que se tratava de uma cidade, mas a sua situação na parte mais inacessível dos Andes, cercada de paredões verticais, e também pelo isolamento do império, parece indicar que Machu Picchu era a Cidade Santa, residência das Virgens do Deus Sol , equivalentes às vestais gregas, o que também se supõe pelos esqueletos lá encontrados, somente de mulheres.
As praças sagradas são muito amplas, e os templos de esmerada construção. Na parte mais alta está o relógio solar denominado Intihuatana. As principais edificações, como o Palácio da Sacerdotisa, o Templo do Sol, o Tambo-Tocco, o conjunto das Rochas Sagradas, são em granito branco e polido. A cidade é toda circundada por gigantescos degraus destinados ao cultivo.
Do alto das montanhas contemplei com respeito as pedras incaicas, testemunhas de um glorioso passado que se perde na noite dos tempos.

LIMA, “LA CIUDAD DE LOS REYES”
Quando desembarquei no aeroporto internacional de Lima, o sol, símbolo do Império Inca, literalmente deixara de existir. Clima estranho e inesperado é o de Lima. Situada quase no Equador, a beira-mar, é sem sol e sem reverberação de luz. Sobre centenas de quilômetros, o céu é permanentemente encoberto pela chamada “cortina de fumaça” que é, na realidade, compacta massa de nuvens. No entanto, em Lima jamais chove. Um homem que nunca tenha saído da capital peruana desconhece esse fenômeno meteorológico, onde o guarda-chuva é desnecessário ou desconhecido. Os carros são vendidos sem limpador de pára-brisa e não há nas ruas esgotos para águas pluviais. Poderia imaginar-se uma Lima coberta de pó, mas nada disso vi: a cidade é limpa e não há poeira sobre os móveis. Aliás, a região de Lima para o sul, onde começa o Deserto de Atacama (Chile), é considerada a mais seca do mundo, à qual nem o Deserto de Sahara é comparável. Por esse motivo, o peruano irriga a terra artificialmente desde tempos imemoráveis. Além disso, usa como adubo o excremento branco de uma ave chamada guano. Cada pássaro produz 20 dólares anuais de adubo, o mais poderoso do mundo, que é fonte de divisas para o Peru.


Página 194

Transcrição completa da página 194.

            Lima, “la Magnífica”, com quase dois milhões de habitantes, foi a capital da América do Sul quando a Espanha era a senhora do mundo. E como fosse a “cidade dos reis”, capital de um continente, justifica-se a construção de riquíssimas igrejas, paços monumentais e belíssimas residências quando a cidade tinha apenas 100 mil habitantes. O Palácio do Governo é esplêndido e podia-se assistir, antes da deposição de Fernando Belaúnde Terry, a troca da guarda de honra da presidência da república.
Visitei a Universidade de San Marcos, infelizmente semi-destruída pelo recente terremoto de 1967, mas que já se encontrava em início de restauração. Essa foi a primeira universidade das Américas, fundada um século antes de Harvard.
Magnífico é o Museu de Arqueologia e Antropologia,contendo vestígios das culturas tiahuanacota, nazca, tolteca, chavín e outras. Há cabeças encolhidas por jivaros e crânios trepanados por incas.
Uma das paixões dos peruanos é a tourada. Há duas “plazas de toros” em Lima, onde nas temporadas o povo assiste à dita “arte” de El Cordobés. Comenta-se que os peruanos, em questão de touradas, são mais exigentes do que os próprios espanhóis.

ENCONTRO COM PIZARRO
Um dos mais belos edifícios de Lima, pelo arquitetura e riqueza do interior, é a catedral. Fundada em 1535 por Pizarro, tem resistido a incêndios e terremotos. O altar-mor é todo de prata polida e trabalhada. À direita de quem entra, está a múmia daquele que mandou edificá-la: Pizarro, o Conquistador, dentro de uma urna de cristal, sobre a qual dormita um leão de bronze. É u’a múmia muito impressionante, ressequida, mas perfeita, a desafiar os séculos. Não foi sem emoção que meus olhos perscrutaram os restos mortais marrons daquele que, cruelmente, conquistou o maior império do mundo de então.
Subitamente tive a impressão de que alguém chamava por mim. Parecia ser algo impossível, pois eu estava só, na capital de um país estranho, onde ninguém poderia reconhecer-me. Ouvi mais uma vez... e girei sobre os calcanhares: ao meu lado estava o casal Susan e Ronald Lehman, com quem eu estivera no Titicaca e em Machu Picchu. Encontrar-me casualmente com amigos foi mais significativo do que o encontro com Pizarro.

PACHACAMAC
Há muitas ruínas pré-incaicas nas proximidades de Lima. A mais notável é Pachacamac, distante três horas da capital pela Rodovia Panamericana.
Situada em pleno deserto, foi há 4 mil anos “o lugar de residência do Deus Criador”. Recentemente descoberta para o mundo, está sendo escavada aos poucos. Andei pelo deserto completamente só, encontrando casas e templos no caminho, entre eles o das Mamacunas. Muito ao longe, ergue-se a Grande Pirâmide de Pachacamac, que é a maior de todas nas Américas e diz-se que foi construída com milhões de tijolos “cozidos ao sol”, num período certamente anterior ao da “cortina de fumaça”. É considerado o local mais sagrado de toda a faixa litorânea. Seu nome tem sido traduzido como “Guia do mundo” (Pacha = terra, mundo; Camac = senhor, guia).

Página 195

Transcrição completa da página 195:

Hoje há poucos vestígios dos murais decorados com afrescos representando aves. Imaginei que bastaria uma chuva para fazer com que Pachacamac desaparecesse sem deixar vestígios. Mas, felizmente, a chuva é desconhecida na região.
Entretanto, na época em que as tribos costeiras apenas floresciam, Pachacamac já se cobria de tal fama, que nem os incas, quando conquistaram o litoral, se atreveram a modificá-la. E assim intocada, Pachacamac foi absorvida pelo altar dos deuses incaicos.
Subi as intermináveis escadarias da Grande Pirâmide, por entre muros em estado de desmoronamento que há séculos abrigaram sacerdotes. Ao chegar ao alto da construção, tive uma surpresa: ao lado oeste, bem próximo à base da pirâmide, estava o Oceano Pacífico!
O Oceano Pacífico... seu nome só me ocorreu na escola, de maneira imprecisa, como um título para distinguir um dos cinco oceanos. E somente após saber da existência de Balboa, pude entendê-lo em sua exata importância. E o grande oceano surgiu para mim com o infinito mistério das suas águas que envolvem milhares de ilhas e alcançam os exóticos países asiáticos. Foi com indisfarçável emoção que vi suas águas pela primeira vez. Desci da pirâmide, corri à praia e tomei posse daquele mar imenso.

O GENOVÊS
Em minha última noite no Peru, buscava o que de interessante a capital pudesse oferecer. Fazia frio, embora já estivéssemos no início da primavera, e as mulheres passavam envoltas em pesados casacos de peles. Súbito, no burburinho das ruas intensamente iluminadas a gás néon, nova e agradável surpresa: deparei com o senhor Enrico Rafaelle Longo. Se eu tivesse encontrado um amigo de infância, não teria ficado mais satisfeito. Deu-me notícias de Melinda Mills e de seus parentes, com quem chegara de Cuzco naquela tarde. Mas não voltei a vê-los, pois na manhã seguinte eu partiria de Lima.
E assim tive a prova definitiva de o mundo é, realmente, muito pequeno.

NOSTALGIA
Havia o roteiro a ser cumprido: na manhã cinzenta, embarquei no aeroporto internacional de Lima, com destino a Santiago do Chile, pela rota do Pacífico, a bordo de um poderoso e colorido Boeing 707 da Braniff. Em poucos segundos, o grande jato rompeu a “cortina de fumaça”. Logo depois, ao observar a costa do Peru, senti nostalgia, embora tivesse à minha frente, ainda, muitos mundos a descobrir.
O Continente foi-se distanciando até que nada mais restou, senão o azul intenso do mar, fundindo-se na mesma tonalidade com o do céu, num horizonte apenas suposto. O panorama tornou-se todo azul, e abstrato em sua ausência de perspectivas.
O suave zumbido das turbinas e a agradável música de bordo eram um convite ao sono. Cansado, adormeci. Sentia sobre meus ombros o peso de 10 mil anos de civilização.

Bibliografia:
“O Segredo dos Incas”, de Siegfried Huber (Editora Itatiaia Ltda. – Belo Horizonte – 1961).
“A Estrada do Sol”, de Victor W. Von Hagen (Edições Melhoramentos – São Paulo – 1956).
“Um jovem... é um jovem”, de Francisco Souto Neto e outros autores (Edição 1ª F. I. E. L – Ponta Grossa – 1968).
“Panoramas da América Latina”, de A. da Silva Mello (Editora Civilização Brasileira S. A. – Rio de Janeiro – 1958).

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Dr. Brasil Borba era meu professor de Direito, e também diretor da
Faculdade de Direito de Ponta Grossa. No ano de 1967, fui o único
aluno que teve as faltas (dois meses!) abonadas, com uma condição:
ao meu retorno, eu deveria fazer uma palestra para os meus colegas
de turma, relatando a viagem. Na ocasião, eu trouxe as folhas de coca
vistas acima, que fiz correr de mão em mão durante a minha palestra.
Em La Paz, chá de folhas de coca, preparadas pelo próprio hotel,
eram o único remédio para evitar "el soroche", ou "o mal das alturas",
que provocava muito enjôo e vômitos. As folhas acima continuam
 guardadas dentro do mesmo plástico, até hoje, quase 45 anos depois...

Francisco Souto Neto.
Curitiba, 25 de novembro de 2011.

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