quarta-feira, 16 de novembro de 2011

VIAGEM À TERRA SAGRADA DOS FILHOS DO SOL por Francisco Souto Neto

Livro UM JOVEM... É UM JOVEM

Francisco Souto Neto e outros 21 estudantes ponta-grossenses (*)
Edição: 1ª Feira Intercolegial Estudantil do Livro – FIEL.
Idealização da obra: Lúcia Itamara Hoffmann (**) 
Edição 1968 (Ponta Grossa, PR)
Capa de Evelyn Martins.

Capa do livro.

Prefácio.

Prefácio.

Na página 79, abertura para o meu relato.


Viagem à terra sagrada dos Filhos do Sol

Francisco Souto Neto

Francisco Souto Neto nasceu a 2 de setembro de 1943, em Presidente Venceslau, São Paulo. Reside há 13 anos em Ponta Grossa, Estado do Paraná, onde está cursando o 3º ano da Faculdade Estadual de Direito. De tradicional família paulista e carioca, é filho de Dª Edith Barbosa Souto e do jornalista Arary Souto – falecido em 1963 –, neto do engenheiro Francisco Souto Júnior, bisneto do dr. Francisco José Alves Souto e trineto do banqueiro português Comendador e Visconde de Souto (António José Alves Souto), o fundador da primeira casa bancária do Rio de Janeiro. Francisco Souto Neto já empreendeu viagens de estudos a quase todos os estados do Brasil e através de diversos países. Poeta, contista, cronista e eventual conferencista, tem trabalhos publicados em jornais de Ponta Grossa e da Capital do Estado.

            Em quaisquer dos momentos da História, poder-se-ia dizer que “a civilização atingiu, esplendorosamente, o seu apogeu”. Contudo, não obstante a infinita metamorfose do mundo, a expressão parece adaptada a estes anos 60 do nosso século, pois vivemos um explosivo progresso tecnológico, científico e artístico, que assombraria aos mais imaginosos sábios dos séculos passados. Todavia, ao lado de tal progresso cresceram os conflitos ideológicos, sociais e políticos, tão paradoxais a um mundo que assiste com naturalidade aos transplantes cardíacos e à conquista do Universo...

            Porventura impelido à selvageria pelo transcendental instinto que nos une ao homem pré-histórico, ou sofrendo influência do simbólico monstro que habita o id, o Homem vem desde as Idades mais antigas, praticando violências contra seus soberanos, até aos nossos turbulentos dias, quando pacifistas, líderes intelectuais e presidentes de nações são sacrificados com armas de fogo.

            Então volto meus olhos ao passado e vejo que existiu, antes do nascimento de Colombo, um império perfeitamente organizado, quase utópico, onde não havia crimes, miséria, nem fome. Um império de ouro, mas sem sacrifícios humanos. Era o Império dos Incas, governado pelos Filhos do Sol. Seu vastíssimo território abrangia o sul da Colômbia, Equador, Peru, Bolívia, regiões do Acre e Rondônia, o Chile e o norte da Argentina.

            Quiçá levado pelo fascínio que aquela civilização exerce sobre mim, encontrava-me, certa ocasião, no interior do Peru, na Venerável Cidade de Cuzco, antiga residência dos soberanos Incas, a capital do grande império, atualmente chamada de “a Capital Arqueológica das Américas”. É uma pequena cidade com 80.000 habitantes, mas quando da sua descoberta pelos espanhóis, em 1531, tinha população superior à da mais importante e populosa cidade europeia da época, Veneza. “Cuzco” significa “umbigo”, ou seja, “umbigo do mundo”, pois era, dada a sua grandiosidade, o centro do mundo incaico e do Universo.

            Um dos capítulos mais negros e dantescos da História, que foi a destruição do maior império do mundo, ordenada pela Espanha contra os Filhos do Sol, estava vivo em minha memória, enquanto eu andava pelos corredores da grande Fortaleza de Sacsayhuamán, pelo majestático palácio de Manco Capac, pelo Templo de Kenko e quando bebia da única fonte incaica que ainda jorra água: Tambomachay...

            A engenharia dos Incas desafia a lógica moderna. As pedras de suas construções são sobrepostas sem argamassa. Os encaixes são tão perfeitos que entre uma pedra e outra não há espaço para se introduzir uma lâmina. Enquanto as construções espanholas vêm ruindo, as incaicas resistem aos terremotos e varam os séculos rumo à eternidade.

Em companhia de uma jovem turista americana, Melinda Mills, que conheci em Cuzco, sentei-me numa das muralhas do forte de Puca-Pucara. Estava tudo absolutamente calmo; não havia sopro de vento. O sol brilhava sobre as montanhas dos Andes e as pedras incaicas. Tudo era estranho e diferente do Brasil. Cada pedra tinha um significado especial e corríamos os dedos sobre elas, como um colecionador examina suas moedas.

Em Cuzco encontram-se fragmentos da História em cada esquina, em cada praça, em cada calle. É impossível viver-se um só momento do presente na Venerável Cidade, sem que se sinta a inexorável presença do grandioso passado.

Estranha atmosfera reina na Plaza de Armas, onde o último Inca, o derradeiro nobre, subiu ao cadafalso. Ali, sendo a terra, a água e o ar amaldiçoados, é dramático o momento ao findar da tarde, quando as silhuetas das torres das igrejas, das ruínas e das montanhas se perfilam no céu invadido pelo crepúsculo.

* * *

Numa fria manhã, quando as ruelas íngremes e tortuosas estavam ainda envoltas em sombras, eu aguardava, na pequena estação da estrada de ferro de Cuzco, pelo trem que me levaria a Machu Picchu, a Cidade Sagrada dos Incas. Turistas americanos, franceses, suecos, italianos e ingleses chegavam à estação, mas eu não os observava... Minha mente estava dando mais um mergulho na História. Lembrava-me de que os espanhóis sempre ouviam falar a respeito de uma Cidade Sagrada, mas nunca a descobriram. Passaram-se os séculos.

Em 1911 Hiram Bingham, professor da Universidade de Yale, organizou uma expedição com o fim de descobrir a sepultura do derradeiro Inca. Não a encontrou mas, em compensação, fez a maior descoberta arqueológica da História do Peru. Tendo ele ouvido os nativos falarem a respeito de ruínas “do outro lado da montanha”, e ciente de que existia a lenda a respeito de uma fabulosa cidade perdida, tão extraordinária quanto às de Eldorado e Atlântida, o arqueólogo não teve dúvidas: aventurou-se pela parte mais agreste dos Andes, montado em burrico. Diz ele em seu livro “A Cidade Perdida dos Incas”: “Aqueles picos coroados de neves tentaram-me. Sentia uma compulsão a dizer-me: Vai e olha atrás da crista dos montes... Alguma coisa perdida atrás da crista dos montes... perdida e à tua espera! Vai!”. E o que Bingham viu, a revista Seleções do Reader’s Digest classifica como “um espetáculo hoje comparado, em magnitude, às Pirâmides do Egito e ao Grand Canyon juntos”.

Atualmente faz-se a viagem a Machu Picchu em modernos trens. A ferrovia parte de Cuzco e em duas horas eleva-se quase 4000 metros e depois, num desnível de 1800 metros, o caminho mergulha no sombrio e áspero caminho que fez recuar os homens de Pizarro. Chega-se a um penhasco final, uma íngreme encosta de 700 metros. Ali deixa-se o trem e parte-se em camioneta por uma estrada de oito quilômetros, cheia de curvas sinuosas e perigosíssimas. O motorista canta animadamente para desviar a atenção dos passageiros dos precipícios que descem a prumo até ao Vale Sagrado do Rio Urubamba. A estrada termina num simpático hotel de categoria internacional, construído na base da Cidade Sagrada.

* * *

Conheci em La Paz a um casal norte-americano, Ronald e Susan Lehman, que fazia turismo pelos países andinos. Viajamos juntos às ruínas de Tiahuanacu e ao Lago Titicaca. Foi, portanto, com agradável surpresa que casualmente os reencontrei em Machu Picchu. A propósito, semanas depois, tive mais uma prova de que o mundo é realmente muito pequeno: na Catedral de Lima, eu observava a múmia de Pizarro dentro de uma urna de cristal, sobre a qual dormita um leão de bronze. Ao meu lado, um grupo de turistas trocava impressões. Ouvi uma voz:

– Francisco!

Eu estava só, na capital de um país estranho. Ninguém poderia reconhecer-me. Evidentemente, não era a mim que chamavam. Continuei examinando com interesse a múmia do Conquistador.

– Francisco Souto Neto! – repetiram duas vozes com sotaque, em coro. Sobressaltado, voltei-me, girando sobre os calcanhares: ao meu lado estavam Ronald Lehman e Susan que sorriam, sorriam...

* * *

Os Filhos do Sol pretenderam construir uma cidade no topo do mundo... e o conseguiram! A primeira impressão que se tem de Machu Picchu com seu tapete de grama muito verde, semeado de flores vermelhas, e dos edifícios que se enveredam pelo flanco da montanha, até ao cimo, impetuosamente, é de tocante encantamento.

Há muitas ruínas majestosas e importantes no mundo: Ruínas de Pompeia, Ruínas de Ur, Ruínas de Tróia... estou de acordo. Mas Macchu Picchu não está em ruínas. Ela é toda uma cidade intacta, com jardins e palácios, escadarias e plataformas para o cultivo, à qual faltam somente os habitantes.

A história de Machu Picchu é um enigma. Tudo o que se sabe é que era a Cidade Santa dos Incas, habitada pelas sacerdotisas, o que se comprova pelos esqueletos lá encontrados, só de mulheres, que teriam sido as Virgens do Deus Sol, equivalentes às vestais gregas.

Após excursionarmos pela cidade, visitando o famoso Templo das Três Janelas, o Palácio da Sacerdotisa e o relógio solar denominado Intihuatana, buscamos o cume da montanha vizinha. Devido ao oxigênio rarefeito daquela altitude, cansávamo-nos com extrema facilidade. Susan e Ronald levavam comestíveis americanos, incluindo água potável norte-americana. Unindo-os aos meus chocolates e bolachas, fizemos um piquenique ao chegarmos a um ponto alto da montanha, tendo sob nossos pés toda a cidade Sagrada, fato que me causou profunda impressão. No meu regresso eu contaria muita coisa, mas não conseguiria descrever como verdadeiramente era a sensação de abraçar Machu Picchu com os olhos. Foi como se pairássemos fluídicos sobre um mundo irreal. E naquele momento, levado pela inspiração, compus um soneto em versos de doze, que denominei...

         Alturas da Cidade Sagrada

Além dos limites das nevadas montanhas
Entre vulcões o rio sagrado serpenteia
E atinge da profunda floresta as entranhas
De misterioso e lendário esplendor tão cheia.

Da cidadela sagrada eu galgo as alturas
Para ser transportado ao coração da História.
Mas tudo é paradoxal e sinto tonturas
Do presente obscuro e passado de glória.

São milenares vestígios de obras tão grandes...
Tierra de los Incas y tierra de temblores
Com tiaras de mármore na crista dos Andes.

São ruínas duma terra outrora venerada...
Tierra de los Incas y tierra de esplendores...
Machu Picchu! Alturas da Cidade Sagrada!

* * *

Quando embarquei no avião em Cuzco, tinha pela minha frente muitos países ainda por visitar, mas sabia que nenhum seria tão fascinante quanto o Peru. Ia pensando na beleza de um império que foi estupidamente varrido pela saga de um bando de facínoras sedentos de ouro e sangue. Pensei nas guerras que continuam devastando o mundo, e pensei também na hipocrisia, na mediocridade, no atraso intelectual e no egocentrismo dos homens ditos “civilizados”. Emitindo um alto ronco, o avião galgou o céu, vertiginosamente... Eu lancei os olhos pela última vez à Venerável Cidade dos Filhos do Sol – que se perdia atrás das montanhas – e dei-lhe um silencioso adiós.

* * *


Após meu retorno ao Brasil, deliberei que somente sentiria plenamente realizados os meus objetivos se conseguisse despertar nos brasileiros o interesse por vizinhos tão próximos geograficamente, mas tão distantes no conhecimento e na compreensão de muitos... Espero que ouçam o chamamento dos estranhos povos, das antigas civilizações, e que partam em direção a elas, em jatos velozes. E que, como eu, sucumbam ante o magnetismo e o feitiço da fantástica tierra de los Incas...
 
-o-

(*) Os autores do livro, na ordem em que seus contos, crônicas e poesias foram publicados: Thereza Cristina Pusch, Maria Stela Wambier, Alceu Teixeira Martins, Eliane Lúcia Krum, José Cordeiro dos Santos, Lucília Ester Gomes Carneiro, Taras Kulchetski, Matilde Fayad, Luiz Fernando Santos Lima, Acyr Macedo, Milton José da Silva Ribas, Marli Terezinha Oetting, Waldir Rubele, Léa Reny Brigola, Francisco Souto Neto, Circe Maria Lejambre, Ennio José Toniolo, Sérgio Monteiro Zan, Josué Corrêa Fernandez, U. R. Camargo Ribas, Tereza Jussara Gomes Daitschmann.

(**) A obra foi idealizada por Lúcia Itamara Hoffmann (Shiraishi pelo posterior casamento) e prefaciada por Maria Enei, embora nos lugares dos seus nomes esteja grafado “Comissão da F. I. E. L. de Ponta Grossa”.

-o-

Foto publicada no jornal O ESTADO DO PARANÁ, de Curitiba, em 27 de agosto de 1968:


Legenda para a foto acima, publicada na referida edição do jornal O ESTADO DO PARANÁ: Encerrou-se domingo, em Ponta Grossa, a Primeira Feira Intercolegial do Livro – FIEL, iniciada no último dia 22. As obras expostas e vendidas durante a mostra pertenciam a diversos autores nacionais e internacionais e, inclusive, a 22 ponta-grossenses, todos estudantes. No flagrante, vemos os jovens estudantes, da esquerda para a direita: Sérgio Zan, Circe Lejambre, Francisco Souto Neto, Acyr Macedo, Teresa Daitchmann, Tereza Cristina Pusch, Ennio Toniolo, Léa Brigola, Matilde Fayad, Milton Rubele, Eliana Krum, Piragibe Souza, Milton Ribas, Marli Geting e José Cordeiro. No livro “Um jovem... é um jovem” também participaram Taras Kultcheki, Camargo Ribas, Maria Estela Wambier, Luiz Lima, Lucilda Carneiro, Alceu Martins e Josué Fernandes. A obra foi uma das mais vendidas na FIEL. [Os nomes acima, estão transcritos conforme aparecem na nota publicado no jornal].

-o-

Abaixo, algumas fotografias tiradas por Francisco Souto Neto na viagem ao Peru, realizada no ano de 1967.


Melinda Mills, Francisco Souto Neto e  Enrico Rafaelle Longo
em Puca-Pucara, Cuzco.

Em Kenko (Cuzco), um deus pré-incaico.

Fortaleza de Sacsayhuamán (Cuzco).

Souto Neto em Sacsayhuamán (Cuzco).

Souto Neto na entrada de Machu Picchu.

Francisco Souto Neto e Susan Lehman em Machu Picchu.

Souto Neto em Machu Picchu.

Susan e Ronald Lehman no Palácio das Sacerdotisas.

Machu Picchu: Souto Neto na janela do quarto da Sacerdotisa.

Souto Neto do Templo das Três Janelas, em Machu Picchu.

Cuzco: chola com filho e muro incaico. Foto Souto Neto.

Viajando rumo a Lima, Souto Neto fotografa
o centro de Cuzco visto da janela do avião.

-o-

P.S.

Na época em que escrevi esta crônica, 1968,  o nome da capital dos Incas era grafado com "z", assim: "Cuzco". Transcorreu mais de meio século. Agora em que escrevo este P.S.,  no ano de 2020, a grafia correta é com "s", assim: "Cusco". Isto para justificar a grafia que era a correta em 1968.

-o-

3 comentários:

  1. Olá Francisco Souto Neto,

    Não pude deixar de reparar uma foto que contém vários jovens... um deles é a minha mãe, Thereza Cristina Pusch. O senhor teve bastante contato com ela? Por favor, me envie um email para thaiscpusch@gmail.com

    Obrigada!

    Thaís

    ResponderExcluir
  2. Querido Francisco.... Que prazer imenso reencontra-lo ,mesmo que de maneira virtual.... Sou uma das jovens da foto.... Hoje nao tão jovem ,claro..... Mas ancilosa para reatar óssea amizade....sou a circe ,jornalista, hoje com uma filha jornalista

    ResponderExcluir
  3. Que lançou dia 21 uma coluna que fala de livros e cinema no porta www.tudodepalhoca.com....veja como a vida da voltas..... Gostaria de um contato com você circe@rtvincorporadora.com
    Grande abraço

    ResponderExcluir