segunda-feira, 11 de julho de 2011

"A Primeira Missa no Brasil" - Histórias e curiosidades ao redor de uma obra-prima

Arte e Memórias de Viagens

Francisco Souto Neto na Revista MARY IN FOCO nº 10 – Agosto 2007 (p. 32-34), de Mary Schaffer e Marco Antônio Felipak

Capa



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O curioso das nossas vidas é que sempre podemos aprender com nossos amigos.

Marco Felipak
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“A PRIMEIRA MISSA NO BRASIL”
HISTÓRIAS E CURIOSIDADES AO REDOR DE UMA OBRA-PRIMA

Francisco Souto Neto (*)

     O Museu Oscar Niemeyer – MON, popularmente conhecido como “Museu do Olho”, está expondo a tela original “A Primeira Missa no Brasil” (1860) de Vitor Meirelles (1832 – 1903), uma das pinturas mais conhecidas neste país, que veio a Curitiba graças ao empenho de Maristela Requião, diretora do MON, em parceria com Mônica Braunschweiger Xexéo, diretora do Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, a cujo acervo o famoso quadro pertence.

     Obra constantemente estampada em livros didáticos de História do Brasil, com as extensas dimensões de 268 cm x 356 cm, já apareceu também em selos, pôsteres e cédulas.

Réis e cruzeiros...

     No campo das cédulas, ainda no Império, “A Primeira Missa no Brasil” foi reproduzida entre 1887 e 1888 em preto e laranja, no reverso das cédulas de 200 mil réis (em cujo anverso apareciam D. Pedro II e o Brasão do Império), e já em 1889 também no reverso das cédulas de 50 mil réis em sépia e preto, e na de um conto de réis na cor violeta.

     Passados mais de 50 anos, sob o padrão cruzeiro em 1943, a tela voltou a figurar, agora pela quarta vez, no reverso de uma cédula: a de Cr$1.000,00 (mil cruzeiros) na cor laranja. Foi apelidada, devido à cor, de “abobrinha”, e circulou até ao ano de 1963. Por esses motivos, ninguém da minha geração desconhece “A Primeira Missa no Brasil.

A história da tela

     Com apoio de D. Pedro II, a obra foi pintada em Paris por Vitor Meirelles que residiu na capital francesa entre os anos de 1859 e 1861, e é a primeira de um artista brasileiro que foi aceita no Salão Francês, o mais prestigiado do mundo daquela época. Em seguida, a tela foi embarcada para o Brasil e em 1876 enfrentou mais uma viagem de navio, desta feita para participar da Exposição Universal da Filadélfia, nos Estados Unidos.

     De volta ao Rio de Janeiro, passou pela primeira restauração já em 1878 pois, devido a vários incidentes na viagem entre os Estados Unidos e o Brasil, um terço do quadro estava danificado e com um furo no centro. A pintura mofou porque havia entrado água no porão do navio, onde a tela viajava enrolada.

     Outras restaurações seguiram-se enquanto transcorria o Século XX. Recentemente, graças aos mais modernos métodos tecnológicos, a obra-prima de Vitor Meirelles renasceu sob as mãos de uma equipe composta de 22 restauradores. Esses valorosos profissionais providenciaram a recuperação estrutural da tela com novo tecido de reentelamento e trabalharam na recuperação estética, removendo materiais não originais que haviam sido acrescentados com a passagem do tempo, e também antigos retoques inadequados.

     Vale acrescentar que os restauradores de obras de arte brasileiros são muito respeitados em todo mundo. Todos devemos nos lembrar de que quando a Pietá de Michelangelo, no interior da Basílica de São Pedro no Vaticano, foi danificada na década de 70 pelas marteladas de um louco, um brasileiro foi chamado para dirigir o delicadíssimo trabalho de restauração.

Os esboços e o curioso parecer do crítico

     Antes de pintar a tela, Meirelles executou centenas de estudos preparatórios, tais como da indumentária dos portugueses, das poses para os figurantes indígenas da grande plateia, detalhes de mãos, estudos de paisagem, e assim por diante. Muitos desses estudos estão expostos no MON. Foram feitos em crayon, carvão, grafite e giz sobre papel. A partir de tais desenhos, Meirelles realizou um imenso esboço colorido, mostrando como deveria ser a totalidade da tela, e o submeteu à apreciação da Academia Imperial de Belas Artes, na expectativa de obter autorização para iniciar a pintura que viria a ser feita em Paris.

   Está exposta no MON uma carta muito pitoresca, da qual eu não tinha conhecimento, dirigida pelo crítico Sr. Joaquim Barros Cabral Teive ao Secretário da Academia Imperial, após ter ele analisado o esboço colorido da futura obra. Com uma caligrafia realmente bela, Cabral Teive sugere que Meirelles faça diversas modificações, expressando-se exatamente assim em seu parecer que aqui transcrevo com o Português atualizado:

     “(...) Em primeiro lugar, acho que o altar onde se celebra a Missa deve ser coberto com panos de navio ou barraca para impedir que esteja assim (tão) exposto o Cálice, pois é costume em campo aberto celebrar-se missa em uma tenda, cuja frente seja aberta aos espectadores. Em segundo, a cor dos índios é muito vermelha e nada se assemelha à raça do Norte, a qual tem uma cor mais amarelada escura. Em terceiro, deve haver só um índio com cocar, porque este é o sinal do Chefe da tribo ou Cacique. Em quarto, deve sacrificar o primeiro plano escuro para tirar a igualdade da luz que existe, e esta (a luz) dar melhor à Vegetação Brasileira, bem como mostrar no fundo um pouco de mar com galeões fundeados, para melhor dar a ideia do assunto. São estas as minhas fracas observações que tenho a emitir, e que faço para que leve ao conhecimento do Artista”.

     É interessante notar que Vitor Meirelles atendeu a apenas algumas poucas recomendações, como por exemplo, deu aos índios uma cor mais para o “amarelado escuro”, e mostrou um pouco, realmente só um pouquinho, do mar que se avista na linha do horizonte, exatamente sob o índio trepado a um galho de árvore na parte superior direita da tela. Só olhando muito de perto, dá para perceber que o pintor pôs ali vários galeões... mas fez isto de um modo quase imperceptível.

     Isto é, Meirelles “meio que” atendeu a algumas das recomendações do técnico; contudo, e felizmente, manteve a sua opinião, por certo fantasiosa, mas bem adequada à imaginação do artista e à estética da tela, de fazer figurar vários índios ostentando cocares. Deixou o cálice descoberto quando era elevado no momento da consagração, dispensando a sugestão dos panos de navio no altar, e a tal tenda. Também ao contrário do que recomendava o Sr. Cabral Teive, ele manteve o primeiro plano à sombra, assim como a vegetação, para iluminar magistralmente apenas a cena principal, que é a do cálice elevado.

     É geralmente assim que nascem as obras-primas: seus autores infringem regras, desafiam as convenções e a lógica, e fazem imperar a sua estética pessoal.

     A exposição “A Primeira Missa no Brasil” poderá ser vista até 14 de outubro, na Rua Marechal Hermes, 999, em Curitiba.

(*) Francisco Souto Neto, o autor, é jornalista, advogado e crítico de arte


Legendas para as fotos: Foto 1 – Detalhe de “A Primeira Missa no Brasil”. Foto 2 – Estudo de indumentária em grafite sobre papel (1859), de Vitor Meirelles. Foto 3 – “A Primeira Missa no Brasil”, de Vitor Meirelles, óleo sobre tela (1860)

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