terça-feira, 12 de julho de 2011

Seguindo as pegadas de Joana d'Arc em Rouen, a Oeste da França

Arte e Memórias de Viagens

Francisco Souto Neto na Revista MARY IN FOCO nº 12 – Outubro 2007 (p. 50-51), de Mary Schaffer e Marco Antônio Felipak

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SEGUINDO AS PEGADAS DE JOANA D’ARC
EM ROUEN, A OESTE DA FRANÇA

Francisco Souto Neto (*)

     Passei alguns dias na cidade de Rouen, na Normandia, Oeste da França.

     Ainda no Brasil, ao fazer a reserva no Hotel Du Morand, pedi que me assegurassem um apartamento no andar mais alto, o terceiro, com vista para a torre onde Joana d’Arc foi torturada antes de seguir para o suplício na fogueira. Meses depois, quando viajei a Rouen, ao chegar ao meu apartamento, abri a janela a vi a sinistra torre elevando-se acima dos telhados do quarteirão à frente.

A fogueira (o jardim) de Joana d’Arc

     Entretanto a primeira visita que fiz naquela cidade não foi à torre, mas à Praça do Velho Mercado, local em que Joana d’Arc foi queimada viva. Aproximando-me do lugar, fiquei impressionado ao ver que aquela parte da praça é pedregosa, quase sem grama, mas o local exato da fogueira estava coalhado de petúnias em três tons de vermelho que, ao vento, pareciam chamas em movimento.

     Embora a morte de Joana d’Arc tenha ocorrido há 577 anos, não há dúvidas quanto ao local exato, porque atrás de onde morriam as pessoas vítimas da “Santa Inquisição”, estão as ruínas do mur pare feu (muro pára-fogo), que tinha a função de evitar que o vento propagasse as fogueiras humanas. O atual jardim, ligeiramente circular, está contido pelas ruínas do muro. Ao lado, encontra-se o pilori (pelourinho) onde os condenados esperavam sua hora para morrer queimados.  Bem ao centro do jardim, uma placa diz: “LE BÛCHER – Emplacement où Jeanne d’Arc fut brûlée le 30 Mai 1431” (“A FOGUEIRA – Lugar onde Joana d’Arc foi queimada em 31 de maio de 1431”). Em frente à fogueira há uma cruz com uns 15 metros de altura. E ao fundo de tudo localiza-se a Église de Jeanne d’Arc, uma igreja moderna e com telhado esquisito, de meados do século XX, embora com belos vitrais aproveitados de uma igreja medieval demolida.

     O Velho Mercado funciona desde a Idade Média num dos lados da praça. Seu teto é moderno, da mesma idade da igreja, e muito criativo porque faz lembrar enormes chamas. A praça é cercada de restaurantes e lojas, com gente passeando com seus cães, e há barracas de venda de flores... Uma verdadeira festa, alheia aos dramas e martírios ali ocorridos no distante passado.

     Todos os dias eu passava pela “fogueira” e me detinha um pouco, quase hipnotizado, vendo as chamas – as flores do jardim – bruxuleantes ao vento. A atmosfera do lugar, torna o passado quase palpável! Ver o jardim de Joana d’Arc foi uma das mais marcantes impressões de todas as coisas que vi e senti em muitas viagens à Europa.

A torre sinistra

     A torre está protegida por um enorme e profundo fosso. Alcança-se sua porta de entrada após atravessar uma ponte. Subi à torre pelos mesmos degraus, já desgastados pelos séculos, que foram galgados pela menina assustada e frágil, pela Igreja condenada à fogueira, acusada de heresia e bruxaria. Quanta ignorância e quanta pequenez mental existiam nos religiosos de então, na mesma época em que os arquitetos já erguiam extraordinárias catedrais.

     Depois, saindo da torre, já na rua, observei que na calçada havia uma reentrância junto ao muro, com uma placa de bronze que dizia estarem ali as cinzas de cidadãos mortos pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial. Detalhes dessa natureza criam, sem dúvida, um clima “pesado” na cidade de Rouen.

St. Ouen, a igreja das pedras que caem

     Na Église de St. Ouen, anos após sua morte, Joana d’Arc foi reabilitada pela Igreja Católica, a mesma que a mandara arder na fogueira. Essa igreja, cuja construção começou em 1318 e terminou no século XV, está totalmente enegrecida pelo tempo. E não é só: toda sua fachada e algumas partes das laterais estão interditadas para os pedestres. Placas avisam: “PASSAGEM PROIBIDA: QUEDA DE PEDRAS”.  Não é sempre, mas, vez ou outra, imensos blocos de pedras desprendem-se das altíssimas paredes da igreja, espatifando-se na calçada.

     A entrada se faz por uma das portas laterais. Por dentro da igreja, uma surpresa: ela está totalmente restaurada, com os arcos góticos limpos, quase brancos, os ouros faiscantes e os vitrais luminescentes pelo sol! Isto significa que, em breve, também o exterior da construção será restaurado, e as pedras bem fixadas para que não voltem a ameaçar os transeuntes...

     Antes de deixar Rouen rumo a Paris, voltei ao Jardim de Joana d’Arc para ver o hipnotizante movimento das flores ao vento. Lembrei-me de que, segundo relatos da época, o coração da santa não se queimou, e foi então colhido das cinzas e atirado às águas do Rio Sena, bem próximo dali.

     Fui embora. Mas parei um pouco e olhei para trás. As flores, iluminadas pelo sol dourado da tarde, bruxuleavam como chamas. E pensei: “Europa! É aqui que o inconsciente coletivo faz a História permanecer palpável, concreta e viva para sempre!”.

Ilustrações: Foto 1 – Placa no jardim de gerânios da Praça do Velho Mercado, que diz: “A FOGUEIRA. Lugar onde Joana d’Arc foi queimada em 30 de maio de 1431”. Foto 2 – A sinistra torre onde Joana d’Arc foi torturada. Foto 3 – Igreja de São Ouen, a igreja das pedras que caem.

(*) Francisco Souto Neto, o autor, é advogado, jornalista e crítico de arte.

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