segunda-feira, 11 de julho de 2011

Magnífico Volpi no Museu Oscar Niemeyer

Arte e Memórias de Viagens

Francisco Souto Neto na Revista MARY IN FOCO nº 9 – Julho 2007 (p. 52-53), de Mary Schaffer e Marco Antônio Felipak

Capa


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Espaço vazio

Assim como a tela branca e a folha de papel necessitam da tinta e a pureza da linha, eu, como espectador, busco a palavra e a leitura crítica de um grande amigo como Francisco Souto Neto, que veio gentilmente participar dessa viagem pelas artes.

Marco Felipak

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MAGNÍFICO VOLPI NO MUSEU OSCAR NIEMEYER

Francisco Souto Neto (*)

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   De 28 de junho a 30 de julho o MON (Museu Oscar Niemeyer) estará exibindo uma exposição retrospectiva com a obra do admirável Alfredo Volpi (1896 – 1988), nascido na Itália, donde veio para o Brasil aos dois anos de idade, de modo que é considerado um artista plástico brasileiro.

   A mostra que acontece no MON inicia-se pela Sala Frida Kahlo, em cuja entrada foram colocadas, estrategicamente, três impactantes telas da série “Composição com bandeirinhas em ogiva” (1970) que se sobressaem pelos aveludados azuis e vermelhos tão característicos de Volpi, cujo tema já deve estar fazendo parte do inconsciente coletivo dos amantes da arte, tema este que, até mesmo para os menos entendidos na obra do importante pintor, é o que mais o caracteriza: as bandeirinhas.

Os primórdios e o Grupo Santa Helena

   Após as três telas de abertura podemos vislumbrar pinturas do início da carreira de Alfredo Volpi, com paisagens rurais e suburbanas, e também de natureza expressionista, realizadas nas décadas de 20 e 30 em técnicas diversas, tais como óleo e têmpera sobre diferentes tipos de suporte, que vão do papelão e do cartão à madeira e à tela.

   O artista não participou da famosa Semana de Arte Moderna de 1922. Ele era um homem muito simples, que naquela época criava sua própria forma de expressão na pintura, sem envolver-se diretamente com os importantes movimentos que começavam a alterar o estagnado e conservador panorama da arte brasileira.

   De certo modo isolado, mas não alienado das mudanças que ocorriam nas artes plásticas, ele prosseguiu pintando paisagens e marinhas que alcançaram os anos 40.

   Uma mudança radical começou a ocorrer nas pinturas de Volpi ao início da década de 50, quando ele foi se adentrando no tema dos casarios, fachadas e telhados. Em 1953 – portanto já aos 57 anos de idade – participou da II Bienal de São Paulo, conquistando o prêmio de Melhor Pintor Nacional, que revelou o seu talento para todo o Brasil, ao mesmo tempo em que seu nome começava a atravessar as nossas fronteiras. Além disso, ele entrou para o Grupo Santa Helena, nome atribuído pelo crítico Sérgio Milliet aos pintores que se reuniam nos ateliês de Francisco Rebolo e Mário Zanini. Tal Grupo formou-se espontaneamente, na maioria por imigrantes italianos, e por filhos de italianos de origem humilde que, para sobreviver, exerciam atividades artesanais e proletárias. Para se ter uma idéia disso, vale lembrar que Volpi, Rebolo e Zanini eram decoradores e pintores de paredes; Rizzotti era mecânico, Penacchi açougueiro, Clóvis Graciano ferroviário, Rebolo jogador de futebol, e assim por diante. Esses artistas não tinham nenhum compromisso conceitual, mas encaminhavam-se, todos eles, para tornarem-se alguns dos maiores nomes de toda a história das artes plásticas no Brasil. 

   Quanto à mostra que acontece no MON, vale mencionar que a tela “Fachadas com festões e bandeirinhas”, do início dos anos 50 e que faz parte da retrospectiva, parece prenunciar o tema que se tornaria a principal referência para a poderosa arte de Volpi.

   No final dos anos 50 despontaram as suas primeiras abstrações que ele denominou “composições concretas” e “composições laços” que, como tema, se ombreavam com as bandeirinhas mescladas aos seus belos portais... E tudo isto, cronologicamente, pode ser apreciado na exposição do MON.

   Nesse período podemos observar que tanto a composição cromática quanto a estética da pintura de Volpi tornaram-se mais sofisticadas com a utilização de cores também mais intensas.

    A esta altura, quando eu mais me empolgava pelo magnífico crescendo da mostra, notei que não havia mais paredes com obras de Volpi. Pensei: “E as pinturas posteriores aos anos 50?!”. Decepcionado, indaguei ao funcionário do museu se a exposição terminava ali. E ele, solícito e gentil, disse-me que não; que a exposição com obras mais recentes continuava ao lado, na Sala Gauguin. Respirei aliviado e contornei o espaço, alcançando o outro braço da retrospectiva.

Obras mais recentes

   Na Sala Gauguin continua a mostra com as madonas e santos que Volpi pintou da década de 40 à de 60. As telas que fazem parte desta mostra do MON permitem-nos apreciar a textura do trabalho e também muito da sua técnica, até mesmo a maneira como o sensível artista corria os pincéis sobre a superfície da tela ou suporte!

   É interessante observar que nos anos 60 os arcos dos portais e as fachadas (ou elementos estilizados de fachadas) tornaram-se quase abstrações, com as bandeirinhas apenas sugeridas sem grande evidência. Um belo exemplo disto, é a tela “Grande fachada com janela azul”, da década de 60, que serve também como um modelo da extraordinária sofisticação do artista.

   Continuando a caminhada pelo museu e avançando no tempo através da arte de Alfredo Volpi, encontramos, no fim da década de 60, os seus deslumbrantes “mastros de faixas”, que são quase uma alusão aos mastros dos canais venezianos da distante Itália do artista, mas, precipuamente, elementos da arquitetura colonial brasileira.

   E foi então que Volpi, ao início dos anos 70, com suas bandeirinhas coloridas, festivas e felizes, alcançou a beleza ao infinito.

Um retorno inevitável

   Quando eu era jovem, lá pela época em que Volpi começou a destacar-se com suas bandeirinhas, lembro-me de colegas de escola, e depois até mesmo da faculdade, ou colegas de trabalho, que diziam: “Ah, essas bandeirinhas do Volpi, também os desenhos do Picasso, e os rabiscos do tal Miró, até eu sei fazer!”. Entretanto, alcançar a riqueza dos tons, a precisão dos “rabiscos”, a beleza das composições e a qualidade das “deformidades picassianas”, aí está uma missão impossível para a quase totalidade dos mortais. No caso de Volpi, é justamente a sua simplicidade que encanta. Até no momento de chamá-lo de “sofisticado”, como fiz neste texto, sabemos que a sua sofisticação não foi por ele sequer desejada, mas alcançada pela natural e elevadíssima qualidade e originalidade do seu trabalho.

   Assim, ao terminar minha visita à exposição, não senti vontade de voltar para casa. Guardei minhas anotações e a caneta no bolso, e retornei à entrada da mostra. Sem nada mais ter a anotar, pude repetir todo o percurso, para simplesmente rever e me encantar com a beleza da obra do genial artista plástico ítalo-brasileiro.

(*) Francisco Souto Neto, o autor, é advogado, jornalista e crítico de arte.

Ilustrações. 1ª foto – Fachadas com festões e bandeirinhas. 2ª foto – Bandeirinhas em contraponto. 3ª foto – Bandeirinhas e mastros. 4ª foto – Alfredo Volpi.

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