terça-feira, 12 de julho de 2011

Um paralelo entre Tarsila do Amaral e Frida Kahlo

Arte e Memórias de Viagens

Francisco Souto Neto na Revista MARY IN FOCO nº 11 – Setembro 2007 (p. 50-51), de Mary Schaffer e Marco Antônio Felipak

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UM PARALELO ENTRE
TARSILA DO AMARAL E FRIDA KAHLO

Francisco Souto Neto (*)

     A revista Casa Vogue publicou um belíssimo ensaio fotográfico baseado na interpretação dos arquitetos Roberto Migotto e Sid Bergamin, coadjuvados por Lino Villaventura e André Lima, a respeito das artistas plásticas Tarsila do Amaral e Frida Kahlo, respectivamente, criando instigantes e persuasivos cenários e ambientes para reviver as referidas artistas.

     Um amigo que leu a revista, admirado com o resultado plástico do ensaio e com a força da arte da brasileira Tarsila e da mexicana Frida, sugeriu-me traçar um paralelo entre ambas. O curioso é que entre elas não existe nada em comum, nem paralelos perceptíveis, exceto que viveram mais ou menos numa mesma época, foram admiradoras do comunismo e, principalmente, inovadoras e atrevidas nas artes plásticas. A maior semelhança entre ambas, entretanto, talvez seja a transgressão na arte, assim como o desafio, a originalidade e a ruptura com o tradicional. A coragem de criar livremente e de romper convenções, cada qual à sua maneira, foram determinantes no panorama artístico de seus respectivos países, conforme comentarei adiante.

Tarsila do Amaral

     Nascida de uma família rica na cidade paulista de Capivari, Tarsila do Amaral (1886 – 1973) começou a pintar aos 31 anos de idade, no atelier de Pedro Alexandrino Borges, onde conheceu Anita Malfati. Logo após a Semana de Arte Moderna de 1922 (da qual não participou), ambas juntaram-se a Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Menotti del Picchia. Em 1923 Tarsila viajou pela segunda vez a Paris, onde conheceu Picasso e de Falla. De volta ao Brasil, descobriu em Minas Gerais os novos rumos para sua arte. Em 1926 casou-se com Oswald de Andrade, justamente quando se iniciou o Movimento Antropofágico. Este casamento, o segundo de quatro uniões oficiais e não oficiais, terminou em 1930. Devido à “Quinta-Feira Negra” da Bolsa de Nova York de 1929, Tarsila perdeu todos os seus bens, passando a trilhar, durante certo tempo, o caminho da pobreza.

     Foi durante o seu curto casamento com Oswald de Andrade que Tarsila pintou o Abaporu. Para ter-se uma ideia do que representa hoje a sua pintura, basta dizer que o referido quadro foi a leilão realizado nos Estados Unidos em 1995 e arrematado por um colecionador argentino por um milhão e meio de dólares. É lamentável que nenhum museu brasileiro tivesse se interessado em adquirir tal obra-prima, porque hoje ela está em Buenos Aires numa residência particular!

     Embora Tarsila tivesse percorrido uma fase voltada ao trabalhador, isto após ter visitado a então União Soviética, e de ser presa ao retornar ao Brasil naqueles tempos do nosso malfadado “macarthismo tupiniquim”, já nos anos 40 a artista alcançava o auge da sua arte envolvendo temas brasileiros em obras de lindas cores e formas.

Frida Kahlo

     Frida Kahlo (1907 – 1954) teve toda a sua trajetória de vida marcada pela dor física, tragédias, doenças e sofrimento. Aos três anos de idade teve poliomielite, que deixou uma lesão em seu pé esquerdo, o que lhe valeu o cruel apelido de “Frida pata de palo” (“Frida perna de pau”). Em 1925, o ônibus em que se encontrava chocou-se contra um bonde; várias pessoas morreram e Frida teve lesões permanentes provocadas por fraturas em três vértebras, fragmentação da tíbia e fíbula direitas e três fraturas na bacia. Submeteu-se a 15 cirurgias, várias delas experimentais, o que a levou a uma vida de sofrimento. Ela passou a usar vestidos compridos, que iam até aos pés, como que evocando as vestimentas multicoloridas dos nativos mexicanos, e foi até imitada no seu país como se estivesse lançando moda; mas ela estava apenas ocultando as suas deformidades.

     Ela, quando jovem, tivera aulas de desenho e de técnicas de gravura, mas só começou a pintar durante sua longa convalescença. Conheceu Diego Rivera em 1928, por quem nutriu uma verdadeira obsessão, até com ele casar-se no ano seguinte. Rivera já era o mais importante artista plástico do México. Entre os anos 1930 e 1933, o casal residiu em Nova York e Detroit. E entre os anos de 1937 e 1939, Leon Trotsky viveu em sua casa de Coyoacam, quando se tornaram amantes.

     Fisicamente, Frida não era bela, mas, sabia fazer-se interessante, apesar de ostentar um desagradável buço e de ter as sobrancelhas cerradas, emendadas. E mesmo tendo morado na maravilhosa Casa Azul, hoje museu, há registros de que vivia numa desordem completa. Esses detalhes tão pessoais nem deveriam ser mencionados face à importância de Frida Kahlo na pintura, mas, no caso desta artista, uma coisa não fluiu independente da outra.

     A obra da artista mexicana foi definida como surrealista e assim o é, efetivamente. O detalhe mais relevante, entretanto, está em que ela transferiu para as suas telas e em incontáveis auto-retratos, a dor que carregou por toda vida. Por exemplo, no quadro conhecido como “Cama Voadora”, ela aparece deitada no leito do hospital, sobre a qual flutuam um feto (símbolo do filho que não pôde gerar), um caramujo e um abdome e pelve. No chão, abaixo do leito, há uma pelve óssea, uma flor e uma autoclave, tudo isso ligado ao seu corpo através de vasos sanguíneos. O lençol está ensanguentado e do seu olho verte uma enorme lágrima. Esta descrição vale para que o leitor tenha uma ideia do clima que emana dos quadros de Frida Kahlo.

     Após várias tentativas de suicídio, Frida foi encontrada morta em 1954. Há dúvidas quanto à sua morte ter sido acidental, ou não. Embora isto não conste do seu atestado de óbito, aventa-se até a possibilidade de ter ela sofrido uma “overdose”. Também não é oficial que desta vez tenha cometido suicídio. Entretanto, consta em seu diário a seguinte frase: “Espero que minha partida seja feliz, e espero nunca mais regressar”.

     Tarsila do Amaral e Frida Kahlo: quanta diferença na vida, quanta semelhança na grandeza da arte!

(*) Francisco Souto Neto, o autor, é advogado, jornalista e crítico de arte.

Legendas para as fotos: Foto 1 – Autorretrato de Tarsila do Amaral. Foto 2 – “O Abaporu”, de Tarsila do Amaral. Foto 3 – Autorretrato de Frida Kahlo. Foto 4 – Frida Kahlo acamada, pintando, na companhia de Diego Rivera. Foto 5 – “A Cama Voadora”, de Frida Kahlo.

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