Arte e Memórias de Viagens
Francisco Souto Neto na Revista MARY IN FOCO nº 16 – Março 2008 (p. 46-48), de Mary Schaffer e Marco Antônio Felipak
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Visconde de Souto – Ascensão e “Quebra” no Rio de Janeiro Imperial
Francisco Souto Neto e Lúcia Helena Souto Martini
Desde o ano passado, em coautoria com minha prima Lúcia Helena Souto Martini, que reside no Estado de São Paulo, estou escrevendo a biografia do banqueiro António José Alves Souto, o Visconde de Souto, nosso trisavô.
O biografado nasceu em 1813, na cidade do Porto, Portugal, e veio para o Rio de Janeiro em 1830, aos 15 anos. Cinco anos depois estabeleceu-se por conta própria, criando a casa bancária A. J. Alves Souto & Cia, conhecida como Casa Souto, precursora dos bancos privados no país. Ele foi presidente da Beneficência Portuguesa e fundador da Junta de Corretores que deu origem à Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. Fez parte da primeira diretoria da Caixa Econômica. Era Comendador da Ordem da Rosa até que, em 1862, recebeu o título de visconde, concedido pelo rei de Portugal, D. Luís I. Em sua chácara no bairro carioca de São Cristóvão, criou o primeiro jardim zoológico do Brasil, que franqueava à visitação pública. O zoo do Barão de Drummond, o segundo da História do Brasil, que é às vezes mencionado como o primeiro, seria criado só em 1888. Em 1860, na Fazenda Bela Vista, onde plantava café, o Visconde de Souto mandou construir um oratório, hoje conhecido por “Capela Mayrink”, nome do seu último proprietário. Pelo casamento dos filhos, aparentou-se com as famílias de Marquês de Olinda (regente e primeiro-ministro do Brasil Imperial), Visconde de Pirassununga, Conde de Ipanema e Euzébio de Queiroz, senador e ministro do Império.

Lúcia Helena Souto Martini e Francisco Souto Neto
na Capela Mayrink, Rio de Janeiro, em 2009.
Foto Sílvia Maria Pinheiro Grumbach.
A Chácara do Souto, residência oficial do Visconde, confinava com a Quinta Imperial da Boa Vista. Documentos da época atestam que o Imperador frequentava a Chácara do Souto para jogar xadrez com seu anfitrião e amigo.
Em 1864 a Casa Souto, cujo passivo equivalia à metade da dívida interna do Brasil, foi à falência, gerando a talvez maior crise da história financeira do país, conhecida como "Quebra do Souto”. A partir desse gravíssimo episódio surgiu o sistema financeiro como hoje o conhecemos, com a separação da emissão de moeda da emissão de notas à vista, ambas até então feitas pelo Banco do Brasil. Por ordem do Imperador, foi instaurada uma comissão de inquérito para apontar os culpados pela crise. A conclusão veio em 1866, inocentando o Visconde de Souto. Ele havia saldado quase todas as dívidas, às custas do seu enorme patrimônio pessoal. Reconquistou a confiança pública e continuou trabalhando como corretor de fundos até sua morte, em 1880, aos 66 anos.
Autores e livros
Muitos escritores referem-se tanto ao Visconde de Souto como personalidade de seu tempo, quanto à “Quebra do Souto”, em livros que são marcos da Literatura Brasileira. Machado de Assis menciona-o em “Quincas Borba” e “Hoje Avental, Amanhã Luva”, Lima Barreto em “Triste Fim de Policarpo Quaresma”, Arthur de Azevedo em “Paga ou Morre!”, Liberato de Castro Carreira em “História Financeira e Orçamentária do Império do Brazil desde a sua Fundação” (edição de 1880), Adolfo Morales de los Rios Filho em “Rio de Janeiro Imperial” e em “Grandjean de Montigny e a Evolução da Arte Brasileira”, Adalberto José Pizarro Loureiro em “História da Beneficência Portuguesa do Rio de Janeiro”, Fernando Monteiro em “A Velha Rua Direita”, Antônio Gontijo de Carvalho em “Um Ministério Visto por Dentro”, Carlos Manes Bandeira em “Parque Nacional da Tijuca”, Genaro Rangel em “Semeadura e Colheita”, Carlos Marichal Salinas e Pedro Tedde em “La Formación de los Bancos Centrales en España y América Latina” (editado em Madrid em 1994), Sérgio Buarque de Holanda em “História Geral da Civilização Brasileira” e muitos outros.
As mais importantes revistas do Século XIX, Archivo Pittoresco e Semana Illustrada, e jornais de várias épocas, fazem referências ao Comendador e Visconde de Souto. Na atualidade, encontramos na internet até mesmo textos de defesa de tese, que procuram explicar os eventos da Quebra de Souto.
A história da Caixa Econômica Federal
Eduardo Bueno, no livro “Caixa – Uma História Brasileira”, edição de 2002, narra como o Visconde de Souto ofereceu os salões da sua mansão para que a diretoria recém-empossada da Caixa Econômica, da qual ele fazia parte, tivesse onde realizar as primeiras reuniões:
“A Caixa Econômica tem suas dívidas para com o Comendador Alves Souto: além de ceder os aposentos de sua residência para cerca de dez reuniões do Conselho, foi ele quem providenciou a mobília da sala da Câmara dos Deputados, no prédio da Cadeia Velha (onde atualmente se ergue o Palácio Tiradentes), na Rua da Misericórdia, onde ficara decidido que a Caixa, na falta de local mais apropriado, iniciaria suas atividades”.
Entretanto, as primeiras atas da entidade registram que a benemerência do então Comendador, depois Visconde de Souto, foi ainda mais extensa. A ata da reunião ocorrida no dia 16 de maio de 1861, conservada no Museu da CEF, em Brasília, e reproduzida no livro “Museu da Caixa Econômica Federal”, edição de 1980, registra elogios ao Comendador Souto por ter ele, altruisticamente, tomado a si a responsabilidade pela reforma da sala emprestada do prédio da Cadeia Velha, para ali instalar a primeira agência da Caixa, oferecendo recursos financeiros do seu próprio bolso e sua fiscalização pessoal na concretização das obras, vez que o dinheiro para tal não fora liberado pelo governo imperial.
O Visconde de Souto nas lembranças dos poetas Modernistas
Os poetas Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade, no livro que escreveram em coautoria, “Rio de Janeiro em Prosa & Verso”, lançado pela José Olympio Editora no ano de 1965, preservam a memória do Visconde de Souto no capítulo sob o título “O Jardim Zoológico do Souto”, transcrevendo o seguinte, nas páginas 91 e 92:
“A geração de hoje conhece de nome o Souto – pela notícia que tem da quebra de sua casa bancária, em 1864, arrastando em seu desmoronamento outras casas e bancos e levando a praça à grande crise comercial que tão profundamente a abalou.
O Souto, José António Alves Souto [o prenome está invertido; o correto é António José Alves Souto], foi um negociante português que, aqui chegando menino, pelo seu trabalho assíduo e inteligente, reuniu uma fortuna considerável e alcançou um crédito ilimitado.
Tão grande era a confiança que nele se depositava que sua casa bancária, em seu tempo, rivalizava, como carteira de depósito, com o Banco do Brasil, a mais importante instituição bancária do país.
Depositário de uma soma avultadíssima de haveres, mergulhado em inúmeros negócios a que a sua atividade não podia atender a um tempo, a Casa Souto ruiu, ocasionando prejuízos consideráveis no comércio do país e que se traduziram num verdadeiro cataclismo de que ainda hoje se fala com pavor.
Possuidor de grande fortuna, Souto era um espírito liberal e generoso. Tendo construído para sua habitação um belo palacete na Rua Barão de Monte Alegre [o correto é Rua do Campo Alegre, hoje Ibituruna], em meio a um grande e bem tratado parque, aí organizou um jardim zoológico, onde reuniu, à custa de muito trabalho e grandes despesas, muitas e variadas espécies dos mais interessantes animais do globo. Até um elefante existiu no jardim zoológico do Souto.
Organizado o parque, foi ele franqueado ao público e, durante muito tempo, foi o ponto predileto de reunião e passeio dos fluminenses nos domingos.
Sem as facilidades de locomoção que hoje existem, era a pé, pelo extenso caminho do aterrado, que os caixeiros, que recebiam dos patrões seis vinténs para se divertir nos domingos, iam passear à Chácara do Souto, o que não lhes custava nada”.
Adolfo Morales de los Rios Filho e Ruy O. R. Carvalho
Em “Gradjean de Montigny e a Evolução da Arte Brasileira”, o escritor Adolfo Morales de los Rios Filho descreve os jardins da Chácara do Souto, numa época, a metade do século XIX, em que não eram muito habituais os jardins ornamentais em residências:
“Souto, o rico negociante e banqueiro da Rua Direita possuía uma das mais belas chácaras do Rio de Janeiro. Os jardins que ali mandara fazer, cheios de roseiras, de plantas decorativas, de arvoredo, de palmeiras e cobertos de relvado, tinham a seguir um rico pomar e uma extensa horta. Tudo cuidado com capricho e gradativamente melhorado com espécimes e exemplares vindos, também, da Europa. Os grandes haveres do conhecido homem de negócios, lhe permitiram, outrossim, criar uma valiosa coleção zoológica, em que se destacavam raros exemplares de animais do Brasil. Pode-se dizer que foi o primeiro jardim zoológico aqui estabelecido”.
No livro “Bolsa de Valores do Rio de Janeiro – 150 anos – A História de um Mercado” (1995), o autor Ruy O. R. Carvalho publicou o retrato a óleo do Visconde de Souto, que se encontra na Beneficência Portuguesa do Rio de Janeiro, escrevendo:
“Retratado por Antônio Rodrigues Duarte, o Corretor António José Alves Souto, fundador da Junta de Corretores e Visconde de Souto por decreto do Rei de Portugal de 1862, foi o protagonista central da mais grave crise econômica do Império. A falência de sua casa bancária, com perto de 10.000 credores e passivo de 6.350.000 libras, equivalente à metade da dívida pública interna da época, foi um terremoto econômico que abalou seriamente a praça do Rio de Janeiro”.
O chiste sobre a Quebra do Souto, encontrado em jornais e revistas da época, dizia que a Casa Souto ruíra com tamanha repercussão que por todo o Império até os papagaios não paravam de gritar e repetir: “O Souto quebrou! O Souto quebrou!”...
A elaboração do livro
Ao escrever Visconde de Souto – Ascensão e “Quebra” no Rio de Janeiro Imperial, decidimos manter incólume a linha da realidade. Tudo o que estamos relatando tem base documental. E esta não vem apenas de livros, como os que acabamos de mencionar. Vem, sobretudo, de documentos que estão arquivados em instituições como: Arquivo Nacional, Biblioteca Nacional, Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro, Cúria Metropolitana, IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, IHGB – Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e outros.
Prefaciado por Dalmiro da Motta Buys de Barros, ex-presidente do Colégio Brasileiro de Genealogia, o livro não terá por objetivo apenas resgatar a figura do Visconde de Souto, que foi também um mecenas a seu tempo. Será um guia para melhor entender a economia brasileira da metade do Século XIX, explicando o mecanismo que fez nascer as primeiras casas bancárias no Brasil. Num apêndice, o livro fará referências à depredação do Cemitério do Catumbi, onde estão sepultados os grandes vultos do Império, que teve grandes repercussões também no Paraná na década de 1980.
A obra deverá ser publicada com recursos da Lei Rouanet, de modo que não será uma edição comercial. Além da cota que caberá aos patrocinadores, que ainda não temos, o livro será distribuído gratuitamente a universidades, bibliotecas e pesquisadores de todo o país e alguns no Exterior.
Legendas: Foto 1 – Visconde de Souto, OST de A. R. Duarte, 1890. Acervo da Beneficência Portuguesa – Rio de Janeiro. Foto por gentileza de Ney O. R. Carvalho. Foto 2 – Ata de reunião da Caixa Econômica datada de 15.5.1861 (Museu da CEF, Brasília). Foto 3 – O autor Francisco Souto Neto. Foto 4 – A autora Lúcia Helena Souto Martini.
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ADENDO EM 2015
No dia 9 de agosto de 2015 foi outorgado a
Francisco Souto Neto, pela Associação Brasileira de Liderança (São Paulo) o
título de Comendador, através de comenda (medalha) seguida do Prêmio Excelência
e Qualidade Brasil 2015, na categoria “Cultura”, como “Destaque entre os
melhores do Brasil” (vide fotos abaixos). Levaram em consideração o prêmio
“Troféu Imprensa do Brasil 2014” que Francisco Souto Neto recebeu no ano
passado, também o fato de ser membro da Academia de Letras José de Alencar,
somados ao sucesso da biografia do Visconde de Souto (que embora ainda inédita,
já recebeu a atenção do The History Channel que em 2013 entrevistou F. Souto Neto
e sua prima Lúcia Helena Souto Martini no programa“Detetives da História”, teve
trechos publicados na Revista do IHGB e na Revista do IHGRJ, que estão na
internet) e que deverá ser publicada pela Editora Trento, de Ricardo Trento,
presidente da Unicultura de Curitiba. Mas o motivo principal da honraria
provavelmente deve-se aos mais de 3.000 textos em jornais e revistas, dentre os
quais a coluna Expressão & Arte que foi publicada durante onze anos e teve
extensão simultânea em dois outros jornais e uma revista, também as crônicas
publicadas desde 2007 e as memórias de viagens nos jornais publicadas no Jornal Água Verde, Folha do Batel e Jornal Centro Cívico.

Comendador Francisco Souto Neto
Detalhe da comenda de Francisco Souto Neto
O Comendador FRANCISCO SOUTO NETO usando sua comenda, com o chihuahua Paco Ramirez. Nas duas telas acima do piano, os seus pais: Edith Barbosa Souto (1911-1997) segurando o chihuahua Quincas Little Poncho (1973-1990), e o jornalista Arary Souto (1908-1963).
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ADENDO EM 4 DE OUTUBRO DE 2017:
O meu artigo na revista MARY IN FOCO foi publicado há quase dez anos, em março de 2008. Longo e penoso foi o caminho que eu e minha coautora trilhamos para que a biografia do Visconde de Souto se tornasse realidade, o que aconteceu graças à EDITORA PRISMAS de Curitiba.
A nossa noite de autógrafos realizou-se no dia 12 do mês p.passado no Palacete dos Leões (Espaço Cultural BRDE). No meu artigo que poderá ser lido no link abaixo, faço um breve relato de como foi a história que culminou com o lançamento do livro, e podem ser vistas as fotografias dos amigos que estiveram presentes ao evento:
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