Arte e Memórias de Viagens
Francisco Souto Neto na Revista MARY IN FOCO nº 15 – Fevereiro 2008 (p. 64-65), de Mary Schaffer e Marco Antônio Felipak
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CONTRASTES DA MODA: GRAVATA, AMSTERDÃ E OUTRAS HISTÓRIAS
Francisco Souto Neto (*)
Eu era muito jovem, mas lembro-me claramente de que para se ingressar em alguns dos melhores cinemas de São Paulo, exigia-se aos homens o uso de gravata. Isso acontecia lá pelo começo dos anos 60. Naquela época, esse acessório da indumentária masculina era habitual a todas as faixas etárias. E não havia nisso nenhuma espécie de sacrifício, porque os jovens usavam gravata com a mesma naturalidade com que hoje calçam tênis.
Depois, em função de meu trabalho e profissão, usei gravata até aposentar-me em 1991. Foi naquele ano que, ao viajar para a Europa, pela última vez usei gravata durante um vôo transatlântico. Nos espaços cada vez mais exíguos da classe econômica dos aviões, aquele laço no pescoço pareceu-me incômodo, situação que piorou quando cheguei a Roma sob um calor de 35 graus centígrados.
Mudava o mundo radicalmente. Mudei eu, adaptando-me aos novos tempos. No ano seguinte, ao embarcar para Londres, eu trajava um confortável “agasalho” esportivo que, de tal modo agradável, eu me senti à noite tão à vontade como se estivesse usando pijamas.
Mas, é claro, a gravata convencional não caiu no desuso, apesar de que, atualmente, se admita aos cavalheiros até mesmo camiseta sem colarinho ao vestir um traje a rigor.
Bruxelas é a capital da Bélgica e também da Europa, porque é sede da União Européia. Ali é comum o uso da gravata-borboleta. Na Grand Place, lugar mais central daquela cidade, há duas lojas que vendem exclusivamente gravata-borboleta. E alguns homens usam-na a qualquer hora, mesmo durante o dia, até ao sentar-se à mesa duma sorveteria, ao ar livre, acompanhado ou sozinho, para saborear a refrescante iguaria.
Se algumas cidades europeias podem ser muito conservadoras, outras são extremamente liberais. E parece-me não haver outra mais liberal do que Amsterdã. É óbvio que na Holanda se usa gravata em ocasiões solenes, no exercício de determinadas funções e mesmo socialmente, mas isso parece ser a exceção.
Amsterdã é uma das cidades mais interessantes do mundo, pela arquitetura e pelos canais. Os holandeses, sobretudo os de Amsterdã, sempre surpreenderam a todos pelo seu liberalismo. Por exemplo, o Bairro da Luz Vermelha é, há décadas, um lugar onde as prostitutas mostram-se nas enormes vitrines que existem na fachada das suas casas, exibindo aos potenciais clientes, através do vidro, os seus atributos físicos. O bairro é atração turística e não há ninguém, do jovem mais afoito à velha senhora mais respeitável, que recuse um passeio pelo local, de preferência em visitas guiadas.
A cidade é liberal também no tocante às drogas: nas floriculturas, a maconha é vendida legalmente, em embalagem idêntica àquela que contém sementes de flores.
Quanto à indumentária, aí está o grande paradoxo de Amsterdã durante os meses abafados do Verão europeu. As pessoas usam qualquer tipo de roupa, quando e na hora que quiserem. Ou usam quase nada, mesmo nas vias públicas. Explicando melhor: naquela capital, hospedo-me sempre no De Roode Leeuw Hotel, localizado quase na esquina da Damrak com a praça Dam. Damrak é a mais importante avenida de Amsterdã, que liga numa linha reta a estação ferroviária à praça Dam, onde está o antigo Palácio Real. Numa das ocasiões em que lá estive, ao sair do hotel levei um susto: um rapaz que vinha deslizando em patins pela avenida, usava apenas um tapa-sexo. Ao passar, vi que ele ostentava um “fio-dental” que o deixava com o traseiro inteiramente à mostra. Aparentemente, não estava acontecendo nenhum escândalo, porque em Amsterdã isso não é considerado “atentado ao pudor” e nem por isso a polícia iria importunar o atrevido jovem, ou interrompê-lo no seu desassombrado passeio.
Ao comentar com alguém aquele episódio, ouvi que a situação poderia me parecer diferente na região de Rembrandtsplein, uma praça nas cercanias de importantes museus, área que, sob certos aspectos, seria parecida com uma passarela da moda. Como no dia seguinte eu deveria atravessar aquela praça ao me dirigir a pé a um dos museus, aproveitei para observar o local.
Realmente, o lugar é fascinante. Os bares estendem suas mesas até aos limites da larga calçada. E as pessoas sentam-se ao ar livre, pedem um café ou qualquer outra bebida e ficam a apreciar as pessoas que por ali transitam.
Francisco Souto Neto passeando em Rembrandtsplein.
Por aquele lugar passam pessoas de todos os tipos, muito mal ou muito bem trajadas, cuja calçada funciona como se fosse uma passarela natural para quem quer ser visto, sejam mulheres ou homens. Jocosamente, apelidei o lugar de “calçada da fama”. Por brincadeira, experimentei “desfilar” e depois sentei-me para observar o movimento incessante do ir-e-vir da massa humana.
Homem usando gravata, nenhum! A elegância de alguns casais evidenciava-se mais pelos trajes esportivos dos homens e pelos vestidos vaporosos e saltos altos das belas mulheres. Mas o que realmente salta aos olhos em Rembrandtsplein, é a diversidade da indumentária dos transeuntes que “desfilam” pela “calçada da fama”.
Por outro lado, há algo notável em Amsterdã: não é exatamente nas roupas que mais se percebe a elegância dos holandeses e dos europeus de um modo geral. Saltos altíssimos e vestidos de grifes famosas para as mulheres, gravatas ou nenhuma gravata para os homens, talvez não importem tanto para causar boa impressão. É possível que para eles a elegância esteja mais centrada na mostra da boa educação daqueles que, invariavelmente, sabem pedir licença para cruzar a sua frente – para mencionar um só exemplo.
Minhas opiniões a respeito de moda e indumentária, entretanto, são as de um leigo, de alguém que observa os acontecimentos talvez grosseiramente, sem compreendê-los em essência, valendo-se apenas de um senso muito pessoal de estética. De qualquer modo, forçoso é reconhecer, a moda e o vestuário são os instrumentos através dos quais a Humanidade evolui desde o princípio da História conhecida.
(*) Francisco Souto Neto, o autor, é advogado, jornalista e crítico de arte.
Legendas: Foto 1 – Francisco Souto Neto andando pela “calçada da fama” em Rembrandtsplein. Foto 2 – Gravata-borboleta em Bruxelas. Foto 3 – Casario de Amsterdã.
Caro Souto, parodiando a sua conclusão, minhas opiniões a respeito de internet são as de um leigo, de alguém que observa os acontecimentos talvez grosseiramente, sem compreendê-los em essência, valendo-se apenas de um senso muito pessoal de bom uso. De qualquer modo, forçoso é reconhecer, os blogs se estabeleceram definitivamente, e nessa prática de comunicação a Humanidade evolui desde os sinais de fumaça. Agora, cá entre nós, você soube retratar Amsterdam das mais variadas facetas, e o seu artigo, que eu já conhecia, tive que ler de novo, como um passeio que não fazia há tempos na terra de onde vim. Robert
ResponderExcluirCaro Robert, obrigado pelas palavras. Na verdade, é irresistível escrever sobre Amsterdam e as maravilhas da sua terra natal. Um abraço.
ExcluirHola primo.Estoy totalmente de acuerdo con tus observaciones. Estive em todas estas cidades que você citou e também reparei neste cotidiano.No entanto, foi em 2011/2012 que viajei a estas cidades e, realmente são únicas.Adorei a educação dos holandeses em particular.A pesar de toda a liberdade que têm e do cheirinho de maconha em todo lugar, gostei muito das pessoas.Não sabia falar muito bem o inglês, mas mesmo assim consegui me comunicar com eles. Uma vez fiquei perdida e havia saído do mapa de Ámsterdam, estava muito frio e era noite.Uma senhora holandesa muito educada me ajudou com muita boa vontade.E eu, aliviada, pude voltar ao hotel.Viajei sozinha a estas cidades e adorei.
ResponderExcluirQuerida prima Luciana. De fato, a Holanda é um exemplo de civilidade, como toda a Europa por extensão. Você tem o privilégio de viver na Espanha, um magnífico país. Muito obrigado por ter escrito aqui no meu blog. Um beijo.
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